Para a doutora e professora em direito penal Janaina Paschoal, a possibilidade de confiscar bens das pessoas, antes mesmo de uma condenação, é o ponto mais grave do pacote. “Não há nenhuma exigência de correlação com o crime ou proporcionalidade da medida. Vão alcançar os bens das empresas e familiares. Qualquer comportamento, o Estado tira tudo que uma pessoa tem. Vão começar a tirar o patrimônio dos críticos, tratando críticas como ataques. Imagine isso ocorrendo nas mais diversas comarcas, contra os mais diversos críticos”, diz.

As definições abertas e abrangentes da proposta são uma preocupação especial, principalmente pelos precedentes abertos pelo STF nos últimos anos em sua aplicação. Delegado aposentado, mestre e professor de direito penal, Eduardo Cabette reconhece que restrições à liberdade de expressão são legítimas quando o direito é usado para caluniar, difamar e injuriar pessoas, autoridades ou não.

“O problema dessas legislações está na redação desses tipos penais, que são muito abertos. Eles têm muitas expressões que não são bem definidas, como ‘atos antidemocráticos’, ‘movimentos antidemocráticos’, ‘qualquer atentado’. Essas coisas fazem com que, por exemplo, se enquadre uma mera discussão de aeroporto numa legislação que diz respeito a atentados contra o Estado Democrático, contra a estabilidade da democracia, do próprio Estado brasileiro. Não é o caso”, diz.

“Se eu ou um político dizer que, se um ministro do STF não agir corretamente, não cumprir a lei, vamos entrar com um pedido de impeachment contra ele, isso será uma ‘ameaça’?”, exemplifica. Ele nota uma contradição da esquerda, que sempre criticou a antiga Lei de Segurança Nacional, mas agora tenta repeti-la numa legislação “mil vezes mais autoritária”, “fazendo um uso retórico da palavra democracia como uma desculpa, um pretexto para todo tipo de abuso das regras, dos princípios do direito penal, do processo penal”.

A eventual aprovação da proposta, segundo ele, poderá criar um efeito cascata por todo o Judiciário. “Seria muito importante que o próprio Judiciário, o Ministério Público e a polícia tivessem consciência de que devem aplicar essas legislações com grano salis, com muito cuidado, apenas nos casos muito graves. Mas isso está difícil porque você tem uma contaminação hierárquica que vem lá de cima do STF, do STJ e desce, escorre até a base da pirâmide das autoridades, pegando promotores, delegados, juízes de primeiro grau. Então, essas interpretações muito amplas acabam sendo acatadas e repetidas por todas as autoridades. É preciso haver uma conscientização de que isso tem que parar”, alerta.

Para ele, uma proposta mais razoável seria no sentido de definir melhor os crimes e, além disso, retirá-los do Código Penal, deixando-os numa lei à parte, para deixar claro que seria aplicada apenas em casos especiais. Medidas como bloqueio de bens e busca e apreensão, ademais, já estão previstas na atual legislação, mas são, em regra, aplicadas quando há indícios suficientes de autoria e materialidade de um crime, além de justa causa.

Por fim, Cabette também vê um excesso nas penas maiores propostas. “Aumento de penas, da reprimenda, não resolve os problemas. Se as pessoas querem que esse clima de revanchismo, de conflito, melhore, qual o melhor caminho? Não é mudar a lei, é pegar as leis que nós temos e agir sempre, em todos os casos, dentro da lei, cumprir a Constituição, o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código de Processo Civil, cumprir de maneira igual para todos. Reconhecer os direitos de todas as pessoas, não importa de que espectro político, de direita, esquerda, centro. Uma falsa solução, que vem através de repressão, não vai funcionar. Só vai aumentar a pressão, a conflituosidade. E vai gerar uma série de abusos, uma série de injustiças”, diz.

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