Outra mudança proposta é que pedidos de vista – em que cada ministro tem direito de paralisar o julgamento para analisar melhor o caso – só serão possíveis uma única vez, de forma coletiva, com prazo de seis meses, prorrogáveis por mais três.
“Os excessivos poderes monocráticos e de ilimitados pedidos de vista de ministros do STF frequentemente convertem esses magistrados em atores capazes de influenciar a arena política. O ‘monocratismo’ chega ao exagero de gerar mesmo uma ‘jurisprudência pessoal’ de cada ministro”, escreveu, em seu parecer favorável à PEC, o senador Esperidião Amin (PP-SC).
A proposição tem origem em Proposta de Emenda Constitucional (PEC) semelhante apresentada por Oriovisto no início de seu mandato, em 2019, e rejeitada pelo plenário do Senado em setembro daquele ano. Em 2021, Oriovisto refez a proposta e desde então ela recebeu apoio formal de outros 31 colegas, de direita, esquerda e de centro. Assinam o texto, por exemplo, desde o senador Esperidião Amin (PP-SC), relator e aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, a Eliziane Gama (PSD-MA), da tropa de choque do governo Lula, ando por políticos tradicionais como Omar Aziz (PSD-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento.
Depois da rejeição da proposta original, as decisões monocráticas continuaram ocorrendo sem controle. Um caso notório foi a decisão do ministro Luiz Fux, no início de 2020, que suspendeu alterações no pacote anticrime que instituíram o juiz de garantias. Só neste ano ele liberou o caso para julgamento e a maioria dos ministros declarou a constitucionalidade da medida.
Oriovisto chama a atenção para casos mais antigos e recentes. Cita, por exemplo, uma decisão monocrática de 2013 do então presidente do STF, Joaquim Barbosa, já aposentado, que suspendeu uma emenda constitucional que criaria quatro novos tribunais regionais federais e que até hoje não foi levada a votação no plenário.
“Recentemente tivemos decisão monocrática de Lewandowski, um mês antes de se aposentar, suspendendo a lei das estatais, e o que aconteceu? Teve aparelhamento das estatais com políticos. Esse tipo de coisa tem criado insegurança jurídica, instabilidade no nosso país”, disse, dando outro exemplo, mais recente.
“Falta um pensamento colegiado, e isso é muito ruim. Chegamos ao ponto de que temos livros escritos sobre isso, as ‘11 Ilhas’, com jurisprudências diferentes entre os ministros, um decide numa linha, outro noutra”, disse ele.
Na justificativa da PEC, Oriovisto citou estudo que identificou 883 decisões monocráticas no STF de 2012 a 2016. Isso resultou numa média de oitenta decisões por ministro. Os julgamentos dessas liminares levaram, em média, dois anos para ocorrer no plenário.
“Isso gera muita insegurança jurídica. Nossa democracia se baseia numa divisão de poder, entre três Poderes. Deve haver freios e contrapesos, pois ninguém decide tudo sozinho. Mas isso hoje está muito desequilibrado. Os 513 depurados e 81 senadores aprovam lei, mas um único ministro do STF decide que ela não vale? Decide de forma monocrática e fica anos suspensa”, afirmou o senador.
“Um presidente da República, eleito com dezenas de milhões de votos, escolhe um ministro de Estado ou um diretor-geral da Polícia Federal, e vem um único ministro, que não teve um único voto, e diz que a nomeação está suspensa? É claramente um sistema desequilibrado”, completou Oriovisto, cuja PEC também impediria decisões como essas.
Em 2016, Gilmar Mendes suspendeu ato da então presidente Dilma Rousseff que nomeou Lula para a Casa Civil; em 2020, Alexandre de Moraes impediu que o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), escolhido por Bolsonaro, assumisse o comando da Polícia Federal.
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A PEC de Oriovisto ganhou força no embalo de uma reação do Congresso ao avanço do STF sobre políticas que tinham sido rechaçadas por parte significativa dos parlamentares. A decisão da Corte que pôs fim ao marco temporal para demarcação de terras indígenas, a provável descriminalização do porte de maconha e o início do julgamento que pode liberar o aborto de fetos de até três meses acendeu a ira das bancadas do agro, da segurança pública e da família e defesa da vida.
Foi iniciado um movimento de obstrução da pauta da Câmara e do Senado. Negociações foram deflagradas para fixar mandatos para ministros do STF e para aprovar outra PEC que permitiria ao Congresso sustar decisões da Corte que “extrapolem limites constitucionais”.
Todas essas propostas reduzem o poder dos ministros do Supremo e, por isso, são repudiadas por eles. Ainda nesta quarta, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse não ver razão para mexer agora na composição e no funcionamento da Corte. Questionado por jornalistas, ele defendeu a atuação do tribunal na pandemia da Covid e na “defesa da democracia”. “Honesta e sinceramente, considero uma instituição que vem funcionando bem”, afirmou.
Barroso lembrou que, em janeiro, por iniciativa da então presidente do STF, Rosa Weber, foi aprovada uma mudança no regimento interno de teor semelhante à PEC de Oriovisto, porém mais amena. Pelas novas regras, pedidos de vista vencem em 90 dias, mas a volta do julgamento depende de acordo entre quem pediu mais tempo e o presidente da Corte, que define a pauta. Decisões liminares e cautelares devem ser submetidas “imediatamente” a referendo dos demais ministros, mas não há um prazo determinado para isso.
Oriovisto diz que sua PEC, além de mais rigorosa, não poderia ser mudada a qualquer momento pelos próprios ministros, com alterações no regimento.
“Quantas vezes você já viu o Supremo mudar de opinião sobre o mesmo assunto? Em um momento [2016], a prisão em segunda instância era válida, depois [em 2019] deixou de ser válida. Se numa questão grave como essa eles mudam de opinião, imagina com o regimento, que eles mudam na hora que quiserem? Minha PEC traz segurança jurídica, o regimento muda a hora que eles querem, e os prazos são frouxos”, rebateu o senador.
“Bato palmas para a mudança feita, foi boa iniciativa, mas há uma diferença abissal entre emenda constitucional e regimento do STF. São coisas distintas”, completou.
Ele reconhece que o momento é propício para reduzir o poder dos ministros – em razão da atual insatisfação do Congresso com a Corte – mas ressalta que sua intenção não é o conflito entre os Poderes, mas um equilíbrio.
Dentro do STF, ministros com maior trânsito político no Congresso apostam que a proposta não avançará. Eles consideram que a aprovação na CCJ foi um movimento político do presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União-AP) para conseguir apoio dos senadores aliados de Bolsonaro para voltar à presidência da Casa, em 2024.