“Isso significa dar ao parlamento, ao Congresso Nacional, o controle com relação às operações de crédito internacionais, financiamento a países e obras no exterior por parte de bancos públicos, como por exemplo, o BNDES”, explica Mendonça, acrescentando que esse tipo de controle existe internacionalmente.
Um dos objetivos da autorização do Congresso, segundo o deputado, seria evitar abusos como os registrados no ado em operações financeiras feitas pelo BNDES a países como Venezuela e Cuba, entre outros, que pegaram dinheiro emprestado do Brasil e não honraram o compromisso.
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“Queremos impedir que o BNDES volte com seus empréstimos para obras no exterior sem aprovação do Congresso Nacional. Não é justo com o povo brasileiro ver tantas operações paradas por aqui enquanto financiamos empreendimentos em outros países, ainda mais para nações regidas por ditaduras ou autocracias”, afirmou a deputada Rosângela Moro (União-SP).
A base governista na Comissão de Constituição e Justiça fez o possível para "empurrar" a discussão mais para a frente, mas a oposição conseguiu derrubar o pedido dos partidos que apoiam o governo, e o debate sobre a constitucionalidade da proposta terá que continuar. Em defesa do governo, o deputado Patrus Ananias (PT-MG) alega que o projeto vai além do razoável. Segundo ele, a autorização de operações de crédito pelo Congresso, significa uma interferência no espaço do Executivo, o que vai contra a regra da independência e autonomia entre os poderes da República.
O líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ) discorda e critica o argumento do governo de que o BNDES teria feito grandes negócios em empréstimos que terminaram em "calote".
“Venezuela e Cuba somam R$ 6 bilhões de calote para o Brasil”, afirma Jordy. Para ele, é papel do Congresso fiscalizar esse tipo de atividade de um banco que gera recursos públicos; como inclusive é o Congresso que deve autorizar o Executivo a fazer qualquer tipo de atividade, como a abertura de créditos orçamentários.
Na avaliação do diretor do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Gonçalves, a ajuda financeira concedida pelo BNDES a países amigos durante os governos petistas tem sido um tema controverso e objeto de críticas por várias razões.
“Embora a intenção de solidariedade e cooperação com nações em desenvolvimento seja louvável, a maneira como esses empréstimos e investimentos foram realizados gerou debates consideráveis e questionamentos sobre a transparência e a eficácia dos programas”, afirma.
Ainda de acordo com Gonçalves, “outra crítica foi a percepção de que esses empréstimos eram usados como instrumentos de política externa para promover alianças políticas e interesses específicos do governo".
Isso gerou a preocupação de que recursos públicos estivessem sendo utilizados para fins partidários ou para promover agendas ideológicas, em vez de serem direcionados estritamente para o desenvolvimento econômico dos países beneficiários.
Entre 2003 e 2016, quando o PT esteve na Presidência do Brasil, o BNDES liberou US$ 11,8 bilhões para que empresas brasileiras executassem projetos de infraestrutura em países vizinhos, sendo que boa parte delas foram envolvidas nas investigações da Operação Lava Jato, como Odebrecht e OAS, entre outras. Essas empresas realizaram obras na Argentina, Venezuela, Cuba, Costa Rica e em países africanos, como Angola e Moçambique.
Em muitos casos, os países beneficiados não conseguiram quitar a dívida, como ocorreu com Cuba, que segundo dados do próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social deve US$ 40,8 milhões ao banco, dos mais de US$ 696 milhões emprestados para obras diversas, principalmente na ampliação do porto de Mariel, a cerca de 40 quilômetros da capital Havana.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) afirma que a Venezuela é a maior devedora do BNDES, ainda segundo dados do próprio banco. Segundo ele, o país de Maduro deve R$ 682 milhões ao Brasil, do total de R$1,5 bilhão emprestado.
Na época em que o programa estava ativo, empresas brasileiras contaram com subsídio governamental para vender de carne a aviões e realizar obras em uma siderúrgica e em estações de metrô venezuelanas. O país vizinho vive uma crise humanitária e não tem conseguido honrar as parcelas dos empréstimos.
Ronaldo Assumpção Filho, especialista em direito empresarial, lembra que a função do BNDES é fomentar o desenvolvimento do país por meio da concessão de empréstimos com taxas de juros menores em relação às praticadas no mercado, e lembra que em relação ao mercado externo, o Brasil viveu experiências negativas, que não prosperaram e nem geraram benefícios.
Por isso, “a PEC em discussão na CCJ reflete uma iniciativa legítima dos partidos de oposição ao governo, no sentido de aprimorar o rito de aprovação de investimentos internacionais realizados pelo BNDES”.
Já Fernando Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, defende que “todo país que pretende ampliar sua pauta de exportação e, principalmente, investimentos em outros países, crie mecanismos de financiamento de suas empresas no exterior”.
Em viagem à África do Sul, onde participou da reunião de Cúpula dos Brics, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre a possibilidade de "estender a mão" para a Argentina, outro país afundado numa grave crise econômica – o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, tem reunião nesta segunda-feira com Lula e Haddad. O financiamento das exportações, nesse caso, custaria R$ 700 milhões em 2023.
"Nós já encaminhamos para o governo argentino uma proposta de garantia em yuan das exportações brasileiras, com a garantia do Banco do Brasil de fazer um câmbio para reais a partir dessa garantia", afirmou Haddad em entrevista coletiva.
Em Angola, Lula também voltou a dizer que se orgulha de financiamentos realizados pelo Brasil recentemente com recursos do BNDES em obras de empreiteiras na área de infraestrutura.
O governo também avalia a possibilidade de realizar estudos para retomar o intercâmbio de energia elétrica entre a Venezuela e Roraima. Até o começo de 2019, a maior parte do atendimento aos consumidores era feita por meio da transferência de energia do Linhão de Guri, interconexão do complexo hidrelétrico de Guri-Macágua com a cidade de Boa Vista, numa solução acordada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e Hugo Chávez, já que Roraima está fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), e tem a energia abastecida por termelétricas locais.
Mas logo no início da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o fornecimento foi interrompido por uma série de apagões e a interrupção dos pagamentos por parte do Brasil devido ao embargo norte-americano à Venezuela.
Além da Proposta de Emenda Constitucional do deputado Mendonça Filho, em análise na Comissão de Constituição e Justiça, diversas outras propostas tentam impor regras para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social empreste dinheiro para outros países.
O próprio parlamentar pernambucano tem outro projeto sobre o tema, para alterar a lei que enquadrou o BNDES como empresa pública. “Nesses casos, o contribuinte brasileiro acaba sendo penalizado, pagando por uma obra que não beneficiou diretamente o país”, destaca o deputado.
O deputado Kim Kataguiri (União-SP), também defende mudanças na legislação para impedir que a União ou empresas públicas façam empréstimos a países que não saldaram suas dívidas com o Brasil. Ele afirma ser "nefasto" o "hábito de emprestar dinheiro com base em critérios ideológicos, em detrimento de critérios técnicos”.
Greyce Elias (Avante-MG) também apresentou projeto proibindo o uso de recursos do Tesouro Nacional em financiamentos a projetos no exterior. Para a deputada, “é um equívoco destinar recursos brasileiros a obras e empreendimentos em outros países enquanto a infraestrutura nacional necessita urgentemente de investimentos”.
Alfredo Gaspar (União-AL) também defende que somente os países com boa classificação de investimento possam receber financiamentos para execução de projetos fora do Brasil. Além disso, o texto proíbe a concessão de empréstimo para países que deixaram de cumprir as obrigações de crédito nos últimos 5 anos.
Todas as propostas estão em análise nas comissões permanentes da Câmara dos Deputados.