Bolsonaro sempre negou qualquer tentativa de golpe e diz que não tomou nenhum ato concreto para permanecer no poder – ao contrário, diz que seu governo colaborou para a transição para a nova gestão de Lula e que ele mesmo nomeou os comandantes das Forças Armadas escolhidos pelo novo presidente. 2gb4g

"Golpe? Que golpe? Onde estava o comandante? Onde estavam as tropas, onde estavam as bombas?”, disse Bolsonaro em fevereiro do ano ado, em entrevista ao jornal “The Wall Street Journal” sobre o 8 de Janeiro. Ele destacou que na data estava nos Estados Unidos.

Em junho, ele declarou que não tinha conhecimento da minuta do decreto de Estado de Defesa encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. “Não tive conhecimento. Não existe golpe com respaldo jurídico. Golpe é pé na porta e arma na cara, meu Deus do céu. Golpe tem que depor alguém. [Artigo] 142, GLO, tudo isso são remédios previstos na Constituição. (…) Golpe não tem papel, tem fuzil. Dá pra entender isso?”.

No último dia 25 de fevereiro, em discurso na avenida Paulista, ele voltou a questionar a acusação de golpe. “Golpe é tanque na rua, é arma, é conspiração. Nada disse foi feito no Brasil. Por que continuam me acusando de golpe? Porque tem uma minuta de decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição?”, disse.

Reuniões com as Forças: atos preparatórios ou executórios? 2zq6v

Uma discussão a ser travada no processo, já sinalizada pelo próprio Bolsonaro, diz respeito às fases de uma conduta criminosa. Pelo direito penal brasileiro, são quatro: cogitação, preparação, execução e consumação.

Exemplo fácil de entender é de um homicídio: na fase da cogitação, uma pessoa pensa em matar outra; na da preparação, arruma uma arma e planeja uma emboscada; na fase de execução, dispara o tiro ou dá uma facada; e na consumação, consegue matar a vítima.

O Código Penal diz que as duas primeiras fases não são puníveis, mas somente as duas últimas, exceto em determinados delitos muito específicos, em que a preparação já constitui um ato criminoso – caso do terrorismo, por exemplo.

Para o procurador de Justiça de São Paulo César Dario Mariano, especialista e professor de Direito Penal, com o que se sabe até o momento, Bolsonaro parou na segunda fase e, por isso, não pode ser condenado.

“O que temos ali são meros atos preparatórios, e um planejamento falho ainda. Não houve nenhum ato de execução. As tropas foram colocadas em prontidão? Militares pegaram em armas de fogo? Carros blindados foram colocados nas ruas? Não. Os comandantes não concordaram com isso. Não teve o início da execução, então não se pode falar em crime. Não teve nada além de preparação. Houve desistência voluntária, não há tipicidade”, afirma.

Ele ainda lembra que os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito só se configuram quando há uma tentativa com emprego de “violência ou grave ameaça”. “Qual foi a violência ou grave ameaça concreta? Alguma instituição ou alguma pessoa foi ameaçada?”, indaga o procurador.

Para ele, só é possível denunciar e condenar Bolsonaro se ficar provado que ele teve participação no 8 de Janeiro. “Ele tem que ter planejado, induzido ou sido responsável por todas as pessoas estarem lá, ou conversou com empresários para financiarem isso. Tem algo nesse sentido? Tem meras suposições”, diz.

Já para Antonio Carlos de Freitas Jr. e Acacio Miranda, se ficar provado que Bolsonaro tentou convencer os comandantes do Exército e da Aeronáutica a aderir ao Estado de Defesa no TSE, para rever o resultado da eleição, estaria caracterizada não uma preparação, mas um ato executório do golpe.

“O tipo penal que estamos tratando usa como verbo ‘tentar’. Então, não podemos exigir que para a configuração do delito, tivesse que estar presente conseguir derrubar o governo legitimamente eleito ou mudar o Estado Democrático de Direito. E a cogitação teria que ser muito fora do plano da realidade. Teria que ser algo como ‘pensei’, ou ‘foi uma brincadeira’, ou ‘foi uma conversa que falaram e logo rechacei, tomei medidas concretas para que não ocorra’. O fato de ter ciência, falar sobre a minuta com autoridades públicas, ver pessoas organizando as manifestações e executando, como no caso do 8 de Janeiro, mostra que houve atos executórios, não preparatórios”, opina Antonio Carlos de Freitas Jr.

“A gente pune o terrorismo da mesma forma que a tentativa. Se o golpe de Estado fosse consumado, não haveria punição”, argumenta Acacio Miranda.

A expectativa entre ministros do STF é que eventual denúncia da PGR seja apresentada ainda neste ano, depois que a PF concluir as investigações sobre essa suspeita.

Uma prisão preventiva, por enquanto, está fora do horizonte, a não ser que Bolsonaro seja acusado de atrapalhar as investigações. A prisão para cumprimento de pena, em caso de condenação, só pode ser efetivada após a sentença e julgamento de dois recursos no próprio STF.