Além disso, o órgão também mantém acordos para atuar junto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) na sede da Corte. A ideia é que o Centro coordene e dinamize as determinações do TSE junto a esses órgãos e, especialmente, às redes sociais e aplicativos de mensagens, por exemplo.
Como o pleito deste ano será o primeiro com a ação do CIEDDE, ainda não é possível avaliar se sua ação será de fato efetiva ou, até mesmo, se intensificará o trabalho de monitoramento das redes por parte da Justiça Eleitoral. O TSE foi contatado pela Gazeta do Povo para prestar mais informações sobre o funcionamento específico e as características de cada órgão, mas, até o fechamento desta reportagem, não havia respondido às questões.
Durante o lançamento do CIEDDE, o ministro Alexandre de Moraes, demonstrou em seu discurso que o novo órgão seguirá a linha adotada pelo TSE e, ainda mais, a intensificará. “No Tribunal Superior Eleitoral já vínhamos neste combate e, agora, estamos dando um salto a mais na eficiência deste combate a partir do momento em que as notícias fraudulentas e as fake news foram anabolizadas pelo mau uso da inteligência artificial”.
O magistrado ainda afirmou que a "Justiça Eleitoral não vai itir discurso antidemocrático, discurso de ódio, deepfake. O eleitor não sofrerá um abuso de desinformação e, se isso ocorrer, aqueles serão responsabilizados com a cassação do registro ou com a cassação do mandato".
As descobertas do Twitter Files Brasil e as conclusões do relatório da Câmara dos EUA, de que o TSE tem censurado os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e os opositores ao governo Lula, demonstram que a classificação do tribunal do que é ou não desinformação, na maioria quase absoluta dos casos, se dirige às ideias conservadoras ou da direita. E, a tirar pelas declarações de Moraes na abertura do CIEDDE, a pressão sobre esses candidatos e seus apoiadores tende a aumentar.
A Assessoria Especial de Combate à Desinformação (AEED) foi criada em março de 2019, pelo então presidente do TSE e ministro do STF Edson Fachin, no âmbito do Programa de Enfrentamento à Desinformação, lançado em agosto de 2019 com foco nas Eleições municipais de 2020. Apesar de ter sido criada para atuar durante um período específico, a Assessoria ganhou caráter permanente, em agosto de 2021 através da Portaria TSE nº 510/2021, assinada pelo então presidente da Corte eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso.
À exemplo do CIEDDE, o TSE afirmou que o objetivo da AEED é garantir que os eleitores pudessem exercer a escolha de seus candidatos e seu direito de voto de forma legítima, "sem interferência de campanhas difamatórias". Além disso, a criação do órgão também visava construir uma imagem positiva da Corte junto à opinião pública.
As informações, no entanto, contrastam com a divulgação do relatório do Congresso dos EUA que classifica a ação do TSE nas eleições de 2022 como censura. Ao todo, dos 88 ofícios e decisões reproduzidos no documento, a AEED é citada por fornecer dados sobre publicações e perfis em 32 deles, sendo que há determinação de suspensão, de perfis ou publicações, em 24 ocasiões e de restabelecimento de contas anteriormente suspensas pelo TSE em outras 8 ocasiões. O relatório dos Congresso dos EUA classificou a ação do TSE junto ao X (antigo Twitter) de censura.
Nas eleições de 2022, a AEED coordenou o Grupo de Análise e Monitoramento, previsto no plano estratégico para aquele pleito. Segundo documento que consta no site do TSE, o grupo tinha "atribuição de receber, registrar, analisar e dar o devido encaminhamento aos conteúdos potencialmente desinformativos ('apontamentos') sobre o processo eleitoral, por meio de preenchimento de tickets organizados num sistema próprio de gerenciamento de demandas". O grupo era integrado por servidores do TSE.
Segundo o advogado especialista em Direito Constitucional Aécio Flávio Palmeira Fernandes, legalmente, o TSE, sendo o órgão da istração Federal no âmbito eleitoral, tem a prerrogativa de criar a Assessoria. Porém, o advogado explica que o problema surge quando a AEED a a entender e definir o que pode ser considerado como desinformação. "Este tipo de ação fere a liberdade de expressão frontalmente, já que o art. 41 da Lei das Eleições veda expressamente a censura", afirma.
A deputada Zanatta expressou sua preocupação com relação a quem e o que é classificado como desinformação. "Quem vai definir o que é desinformação? TSE? Quem são as pessoas que estarão definindo o que é desinformação? Eles vão também dizer que é desinformação quando sai alguma mentira na imprensa? Porque isso acontece também", afirma ela.
Já o Sistema de Alerta de Desinformação Eleitoral é um dos canais de denúncias criado pelo TSE em junho de 2022. Por meio da ferramenta, que fica alojada no site do TSE, qualquer pessoa pode denunciar a ocorrência de desinformação, discurso violento ou odioso, disparo em massa, perturbações do ambiente democrático, indício de comportamento inautêntico ou vazamento de dados e incidentes cibernéticos.
O sistema foi uma “modernização” feita com base em uma parceria entre o TSE e o Whatsapp, realizada e testada nas eleições municipais de 2020, quando foi lançado um canal exclusivo da Justiça Eleitoral no aplicativo. Naquelas eleições, foram recebidas mais de 5.229 denúncias pelo aplicativo, que geraram o banimento de 1042 contas que faziam disparos em massa. A experiência, avaliada como bem-sucedida pela Corte Eleitoral, inspirou a criação do atual Sistema de Denúncias.
Após serem recebidas, o site do TSE informa que as denúncias são encaminhadas para as plataformas digitais e agências de checagem parceiras do Tribunal no Programa de Enfrentamento à Desinformação. Criado em 2019, durante a presidência da ministra aposentada da Suprema Corte Rosa Weber, com vistas ao pleito de 2020, o programa foi tornado permanente em 2021.
Em 2022, ele contava com 154 instituições parceiras, dentre agências de checagem, partidos políticos, associações, que compartilham com o TSE o monitoramento de notícias falsas, o combate à desinformação e a ampliação do o a informações verdadeiras e de qualidade sobre o processo eleitoral. Uma lista atualizada das parcerias e acordos atuais do Programa não foi encontrada no site do TSE.
A Gazeta do Povo solicitou à Corte Eleitoral que enviasse as estatísticas da ferramenta de denúncias desde sua criação, número e porcentagem de denúncias recebidas, analisadas e convertidas em determinações, mas também não obteve resposta.
A criação sucessiva de novos órgãos para o combate à desinformação, muitas vezes com os mesmos objetivos e a transformação de sua atuação de temporária em permanente demonstram o quanto o tema é caro para a Corte Eleitoral que, a cada ano, tem ampliado seus poderes nesta área.
O procurador do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e autor do livro “Pós verdade e fake news: Como a psicologia e a comunicação são usadas para manipular o mundo”, Marcio Sérgio Christino, afirma que, no direito, as ações são consideradas no momento em que ocorreram, o que é chamado de limite intertemporal. Ele ainda explica que, como o papel da Justiça Eleitoral é proteger as eleições, se o ato infrator foi cometido durante o pleito, mesmo depois de terminadas as eleições, ainda é possível tomar medidas para punir esses excessos.
Então, no caso de uma publicação feita, por exemplo, durante o período das eleições, a qualquer tempo a Justiça Eleitoral pode analisá-la e tomar as medidas cabíveis a seu respeito, o que explicaria a extensão do tempo hábil de atuação dos órgãos criados pelo Tribunal. No entanto, não raro, essa extensão é interpretada como uma extrapolação da Corte Eleitoral, senão como prática de censura.
Por exemplo, todas as decisões do TSE que foram inseridas no relatório da Câmara dos Estados Unidos, elaborado em razão da divulgação dos Twitter Files Brasil, são datadas após o término das eleições de 2022, ou seja, foram tomadas depois do dia 31 de outubro daquele ano. As cinco restantes são do período entre fevereiro e dezembro de 2023.
Ainda mais, a nova resolução da Corte Eleitoral para o pleito deste ano, fere não somente o Marco Civil da Internet no que diz respeito à moderação de conteúdo e a retirada pelas redes de conteúdos “antidemocráticos”, “fatos notoriamente inverídicos” e “discurso de ódio”. As suspensões de contas inteiras, em vez da retirada de veiculação apenas do suposto conteúdo considerado ilícito, também configuram violação ao marco civil.
A nova resolução ainda contraria a Lei das Eleições, que afirma que as plataformas só podem ser punidas e multadas, por exemplo, caso descumpram ordem judicial para retirar determinados materiais do ar.
Richard Campanari avalia que a Justiça Eleitoral parece estar indo além do que poderia. “O ímpeto para o controle (talvez essa seja uma palavra adequada) da informação pode desaguar em uma interferência indevida no processo eleitoral”, afirma.
Ainda que compreenda que possa estar dentro de premissas legais, o advogado vê que, por exemplo, a extensão das decisões após o período eleitoral, parecem um pretexto para o extrapolar das competências.
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