Um discurso recorrente de Bolsonaro é a defesa da soberania nacional no que diz respeito à Amazônia. Para isso, comumente ataca ONGs e iniciativas de outros países, que diz quererem controlar a região. No sábado (27), durante uma cerimônia de formatura de paraquedistas no Rio de Janeiro, ele falou que busca parcerias no exterior para a exploração do território amazônico brasileiro.
Na ocasião, ele cutucou o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, com quem teve atritos durante a reunião do G20 e criticou o que seria um pedido dos líderes para a demarcação de mais 30 reservas indígenas, como forma de ampliação de reservas ambientais.
“Isso é um crime. Só de reserva indígena já temos 14% tomados aqui no Brasil. Na Reserva Yanomami, são 9 mil índios e tem o dobro do [tamanho] estado do Rio de Janeiro. É justo isso? Terra riquíssima. Se junta com Raposa Serra do Sol é um absurdo o que temos de reservas minerais ali. Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos”, disse Bolsonaro.
Nos Estados Unidos, por exemplo, há demarcação de territórios para os nativos americanos. Lá, essas tribos podem explorar alguns serviços em suas áreas, como cassinos e bingos, que não pagam impostos. O país mantém um escritório específico para tratar dessas questões, o Indian Affairs (IA), que fica na aba do departamento do Interior do governo americano.
De acordo com a agência, são fornecidos serviços para cerca de 1,9 milhão de índios americanos nas 573 tribos reconhecidas pelo governo. A agência faz a istração e gestão de 55 milhões de hectares de superfície e 57 milhões de acres de propriedades minerais de subsolo, que são mantidas sob custódia do governo para os índios americanos.
Para comparação, o Brasil tem 1,17 milhão de quilômetros quadrados de terras indígenas, com 566 comunidades. É uma área equivalente aos estados do Mato Grosso e Tocantins juntos. Nessas áreas, vivem pouco mais de 500 mil índios, de acordo com os dados do último Censo do IBGE, feito em 2010.
Bolsonaro parece querer aproveitar a experiência americana. Nesta segunda-feira (29), voltou a afirmar que tem intenção de regulamentar o garimpo no Brasil, inclusive nas terras indígenas. "Tem que ter o direito de explorar o garimpo na tua propriedade”, disse o presidente. Para ele, os territórios indígenas cumprem esse espaço para os índios brasileiros.
Outro discurso recorrente do presidente é de que ONGs e outros países são contrários a esse tipo de iniciativa porque preferem ver os índios vivendo "presos" como se estivessem em um zoológico. “O índio é um ser humano igualzinho a nós. Quer o que nós queremos, e não podemos usar o índio, que ainda está em situação inferior a nós, para demarcar essa enormidade de terras, que no meu entender poderão ser, sim, de acordo com a determinação da ONU, novos países no futuro”, declarou em novembro de 2018, durante uma formatura da aeronáutica em Guaratinguetá.
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Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro já tentou fazer algumas mudanças na gestão da questão indígena no país, sem sucesso. Por meio de medidas provisórias, ele tentou rear a atribuição da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e a Funai para o Ministério de Direitos Humanos. As duas atribuições estavam no escopo do Ministério da Justiça, para onde retornaram após as medidas serem barradas pelo Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente também fez uma mudança na gestão da Funai. O general Franklimberg Ribeiro de Freitas foi demitido em junho. Em seu lugar, foi nomeado o delegado da PF Marcelo Augusto Xavier da Silva, tido como um nome próximo à bancada ruralista.
Em relação a mineração, para fazer qualquer alteração para permitir o garimpo em terras indígenas, o governo precisará do aval do Congresso. O jornal O Globo revelou na última semana que a atual gestão já preparou a minuta de um projeto de lei que regulamentaria a mineração nessas áreas.
Localizada em uma área remota do país, a aldeia Mariry, só é ível após uma viagem de carro, de barco e a pé. A tensão começou com a notícia do assassinato de um dos líderes do povo Wajãpi, o cacique Emyra Wajãpi. Ele foi encontrado morto a facadas, dentro de um rio, no início da semana ada. A comunidade ainda denunciou a presença de garimpeiros na área na sexta-feira (26).
Autoridades policiais – agentes da Polícia Federal (PF) e Bope, da Polícia Militar –, além de funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), chegaram à localidade no domingo (28). Também foi criado um gabinete de crise para apurar o crime, com participação da Funai, Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público estadual, Secretaria de Segurança Pública do Amapá e Exército.
Nesta terça-feira (30), a Polícia Federal divulgou nota informando que a equipe que esteve no local não encontrou "invasores ou vestígios da presença de não-índios nos locais apontados pelos denunciantes [índios]". Essa informação foi reproduzida pelo comando do Exército e já foi reada até mesmo por Bolsonaro a jornalistas nesta segunda-feira (29). As investigações no território indígena, contudo, ainda não foram encerradas.