Para o setor produtivo, a decisão traz insegurança jurídica ao processo e pode prejudicar de forma decisiva o andamento da cessão das rodovias, retardando ainda mais o início de obras e da conservação dos trechos. Malucelli descreve a situação como “desanimadora após tanto tempo para se chegar a um leilão onde todas as providencias foram tomadas, com amplo debate e que audiências públicas aonde todos os interessados e atores que envolvem as concessões de rodovias foram ouvidos”.
O presidente da Fetranspar lembrou ainda das 14 audiências públicas realizadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep) para debater o tema do pedágio em todo o estado. “A gente não consegue entender até agora em que a concessão vai repercutir nas comunidades quilombolas. Respeitamos os povos originários, faz parte da boa convivência, mas não posso entender qual o principal motivo desta decisão”, disse ele.
No despacho judicial, o alerta é que as comunidades deveriam ter sido ouvidas de forma direta e objetiva, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada no Brasil pelo decreto legislativo 143/2002. A determinação alerta que “os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver com a participação dos povos interessados uma ação coordenada e sistêmica com vista a propagar os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade”.
O presidente da Fetranpar disse “ficar até triste”, diante dos problemas de infraestrutura que o estado vem enfrentando. “Nossas rodovias estão em péssimas ou más condições de conservação e quando se tem um leilão transparente, com repercussão internacional, dentro dos padrões da legislação, há liminar suspendendo. Para os próximos lotes, já se espera de tudo”, completou.
Malucelli disse que fez contato com a ANTT, responsável pela publicação da licitação. “Nos informaram que o que for preciso fazer será feito, mas algo é certo: quanto mais atraso nas rodovias, pior fica e com certeza teremos, mais uma vez, problemas para chegar ao porto no escoamento da safra. Nem falo de chegar ao litoral para o lazer, porque teremos problemas em todas as frentes”, reiterou.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), Ágide Meneguette, disse não ter tido surpresa com a decisão judicial. Meneguette voltou a destacar que, desde os governos de Beto Richa (PSDB) e Cida Borghetti (PP), vinha alertando que os estudos de impacto ambiental e de medidas que atingissem povos originários deveriam ser feitos com cautela e antecipação.
Segundo ele, isso não foi feito. “Na época estivemos em Brasília com o ministro dos Transportes e com a bancada paranaense de deputados pedindo que se anteciem as análises e os estudos. Não foi (feito) e o que está acontecendo (agora) era previsto”, criticou.
Para o presidente da Faep, a condição poderá se repetir nos próximos lotes. “Sabemos das dificuldades que existem e que é preciso um processo completo. O governo fez de afogadilho, até atrasado (os estudos), então podemos esperar e olha lá se em 2025 essa rodovia licitada será duplicada”, analisou.
Meneguette argumenta que o estado sabia o dia que se daria o vencimento das concessões antigas e que a entidade que preside defendeu que precisaria estar tudo pronto, de forma planejada, para se encaminhar às novas concessões. “Dissemos na época que assim o problema estaria bem encaminhado, mas não tivemos o entendimento de quem está no poder. Agora faz de afogadilho, aconteceu isso. Esqueceram de ver quilombolas e outras coisas nessa região e isso precisa de um critério diferenciado. Para nós, não está sendo surpresa, não. Se os cuidados necessários não foram feitos, o caminho dos próximos lotes será o mesmo”, reforçou.
O presidente da Faep opina que o erro, na avaliação do órgão representativo, começou pela definição do primeiro lote licitado. “No nosso ponto de vista, o primeiro que tinha que ser licitado é o que vai de Curitiba a Paranaguá (lote 2). Ali temos a Serra do Mar, muitos problemas geológicos, mas é o caminho que nos leva ao porto para escoar a produção. Vimos no início do ano quando a rodovia ficou 24 horas fechada e se demorou muito para descer, encarecendo o frete em 30%”, pontuou.
Meneguette lembrou também que, em decorrência dos entraves logísticos, produtores operaram no vermelho durante um longo período e que as perdas de receita foram imensuráveis.
“Tudo o que está sendo feito no pedágio tem dois anos de atraso e vai atrasar ainda mais. Agora é rezar para que dê tudo certo. Nós fizemos o trabalho lá atrás, alertando as autoridades sobre isso. Agora estamos aguardando”, afirmou, lembrando que na época o estado teria respondido que antecipar estudos poderia trazer um dividendo político. “Deu dividendo político contrário com a economia pagando o pato”, completou.
O diretor do Movimento Pró-Paraná, o engenheiro e advogado Nelson Luiz Gomez, alertou que existem dois pontos a serem analisados na decisão judicial. Segundo ele, pode ter havido desencontro de informações, induzindo o Judiciário ao erro.
O advogado explica que um dos pontos diz respeito basicamente à praça de pedágio na Lapa e se os moradores em questão teriam direito a uma isenção, condição que segundo ele poderia ser vista conforme prevê o edital. O segundo ponto, avaliou Gomez, é a errônea suspensão de todo o lote, desconsiderando que há apenas um ponto em discussão judicial. “Poderiam ter sido mantidas todas as demais partes do leilão”, analisou.
Para o advogado, a licitação é favorável aos usuários. "A tarifa ali chega com 52% e desconto (se comparado ao pedágio antigo)”, destacou, lembrando que, sem a concessionária, as rodovias enfrentam manutenção precária e não am por obras maiores, tornando-se mais inseguras e de difícil trafegabilidade.
“O Paraná inteiro é prejudicado por conta de um ponto questionado. E se a demanda judicial demorar por alguns meses? Que se questione e, se for o caso, que pare aquele trecho, mas não o lote todo”.
Diretor do Movimento Pró-Paraná, engenheiro e advogado Nelson Luiz Gomez
Com base nesses argumentos, o Movimento Pró-Paraná, em parceria com outras entidades, deve divulgar ainda nesta semana uma nota técnica sobre o assunto. Diferentemente de outras instituições, o diretor do Movimento não acredita que decisões judiciais como essas possam impactar nos demais lotes do pedágio, mas alerta que a concessão é de interesse público e que deve se sobressair ao interesse de uma comunidade.
“Uma situação como essa corresponde a fatores menores, mas impacta a população do estado inteiro. Isso é importante às comunidades locais, mas precisa ser analisado sem que haja um processo de retardamento do pedágio. São vidas perdidas, dificuldades de deslocamentos, rodovias em mau estado”, considerou.
Na liminar, a Justiça alertou que a praça de pedágio e as obras de duplicação da rodovia BR-476 afetarão as comunidades da estrutura urbana do município da Lapa. “A praça de pedágio está localizada no km 191 da BR-476 entre as comunidades e a sede do município. Ou seja, para que integrantes das comunidades tenham o aos serviços públicos básicos prestados pelo Município da Lapa (saúde, educação, Justiça etc) terão de ar necessariamente pela praça (de pedágio)”. A alegação prossegue dizendo que as obras de duplicação estão rentes à comunidade Restinga e de forma muito próxima às comunidades Feixo e Vila Esperança.
A decisão alerta que “neste momento do processo não cabe decidir sobre o direito à isenção de pedágio ou à integridade do território, mas se é necessária a oitiva das comunidades quilombolas” e que para evitar que o procedimento jurídico prossiga em “evidente prejuízo aos integrantes das comunidades quilombolas, faz-se necessária suspensão dos efeitos do leilão realizado em 25/08/2023”. Na decisão, a Justiça prevê aditamento em um prazo de 30 dias.
Procurados, o Ministério dos Transportes e o Governo do Paraná afirmaram que o assunto deveria ser tratado com a ANTT. Questionada, a ANTT voltou a repetir o que disse no dia da decisão judicial, que “o leilão foi suspenso conforme decisão judicial e que a Agência se manifestará perante o tribunal”.
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