Soma-se a isso o fato de que justamente os municípios que não apresentaram suas documentações são os que possuem condições mais precárias e, consequentemente, os maiores desafios para levar os serviços de água e esgoto aos habitantes. Nestas cidades, a maior parte concentrada no Norte e Nordeste do país, vivem cerca de 30 milhões de brasileiros.
“O saneamento básico é uma política pública de médio a longo prazo, envolvendo prazos para licenciamento ambiental, elaboração de projetos e execução de obras, até que, finalmente, a população tenha o à água e ao tratamento de esgoto. Quanto mais demorar para encontrar soluções para os municípios pendentes, maior será o risco de não conseguirmos universalizar até 2033, pois o intervalo entre a adoção da solução e a concretização das redes de água e esgoto fica cada vez mais curto”, alerta a CEO do Trata Brasil.
No contraponto, verifica-se que nestes três anos de Marco Legal do Saneamento muitos estados e municípios correram atrás de soluções. Nesse meio tempo, seja por meio de PPPs ou concessões, diversos processos licitatórios foram iniciados ou concluídos, incluindo a licitação de blocos regionais para a prestação dos serviços.
Pará, Sergipe, Rondônia e Paraíba investiram em projetos de estruturação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para concessões dos serviços de água e esgoto, previstas para ir a leilão entre 2024 e 2026. Foi este também o caminho escolhido pelo Amapá, Rio de Janeiro e por Alagoas – os dois últimos concederam blocos de municípios à inciativa privada. Enquanto em São Paulo, a opção é pela privatização da estatal Sabesp, prevista para ser licitada em 2025.
O Paraná foi na linha das PPPs de esgoto, assim como Ceará e Mato Grosso do Sul. O estado realizou o leilão da primeira delas para serviço de esgotamento sanitário em 16 municípios da região da capital, Curitiba, e litoral, no último dia 14. O consórcio vencedor foi Saneamento Consultoria, formado por Aegea, Perfin e Kinea, com investimentos previstos de R$ 1,2 bilhão para os próximos 24 anos e 2 meses.
E a estatal paranaense de saneamento, Sanepar, prevê ainda outros dois leilões de PPPs. No início de julho, a companhia lançou novas consultas públicas para contratação das próximas parcerias que disponibilizarão serviços de esgotamento sanitário para 76 municípios da região Centro-Leste e 119 municípios da região Oeste. O investimento previsto é de R$ 4,7 bilhões. Com as PPPs, a expectativa é que o estado alcance a universalização do saneamento até 2027, seis anos antes do determinado pelo marco regulatório.
Ainda no Sul do País, os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina também buscaram soluções nesse meio tempo. Destoando dos índices do Paraná, que completa a região e já fornece água tratada a 100% da população e esgoto a 80%, o Rio Grande do Sul optou pela privatização da companhia de saneamento estadual, a Corsan, adquirida pela Aegea e com contrato recém-assinado no valor de R$ 4,15 bilhões. Enquanto diversas companhias municipais de saneamento de Santa Catarina estudam PPPs de esgoto e a estatal de saneamento, a Casan, promete adotar o modelo de locação de ativos para as 10 principais cidades do estado.
A partir das informações públicas disponíveis para os municípios com projetos em estruturação, e pelo hub de projetos do BNDES, são identificados 29 projetos em andamento com potencial para impactar mais de 46 milhões de pessoas, os principais em fase avançada de licitação, com previsão de serem concluídos nos próximos três anos.
O Brasil ainda precisa investir R$ 538 bilhões, segundo o cálculo do estudo do Trata Brasil e da GO, para chegar ao cumprimento das metas do Marco Legal. A demanda total de investimentos previstos, que era de R$ 598 milhões para garantir a universalização, segundo levantamento do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) do Ministério das Cidades, já contou com R$ 44,8 bilhões investidos entre 2019 e 2021, mais uma média estimada de R$ 15 bi em 2022, se seguidos os valores dos anos anteriores. Os dados foram calculados a preços de dezembro de 2021.
Isso implica dizer que serão necessários investimentos médios anuais de cerca de R$ 44,8 bilhões, contabilizando os anos de 2022 a 2033, para dar conta das metas do Marco Legal do Saneamento. “Portanto, precisamos considerar uma média de investimentos que vai mais que dobrar em relação à média atual, de R$ 20 bilhões. Além disso, estamos falando de uma média nacional, enquanto diferentes regiões do país enfrentarão realidades distintas. Alguns estados demandarão investimentos significativamente maiores, enquanto outros precisarão de menos recursos”, analisa Luana Pretto.
Para a especialista, o Marco Legal possibilitou o estudo de diferentes formas de acelerar a universalização. E a abertura para a busca de alternativas está trazendo resultados positivos para estados e municípios. Mas ainda é preciso vencer barreiras como o entendimento da urgência do tema por parte de governantes e a garantia de segurança jurídica para investidores.
“Há estados onde o saneamento não é visto como prioridade e ainda é tratado como uma questão de obras subterrâneas que não geram votos. Acredito que já obtivemos muitos resultados positivos, mas precisamos de um arcabouço legal sólido, com decretos bem estabelecidos, para atrair investimentos no setor”, resume. “E sabemos que os governos nem sempre têm recursos financeiros para investir o todo necessário. Eles precisarão buscar financiamento e parcerias, mas para isso acontecer, é fundamental garantir a segurança jurídica no Brasil de forma geral.”
O resultado, aponta, é retorno social e, consequentemente, econômico para o país como um todo. “Agora o desafio é levar os exemplos positivos de quem está correndo atrás de investir em saneamento para outras regiões que ainda não priorizaram o tema”, conclui a CEO do Trata Brasil.
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