O promotor que investiga a facção também é protagonista de levantamentos atualizados sobre o avanço da facção em atos criminosos e a expansão do seu poderio econômico e de fogo.

Da lavoura ao destino final

Até poucos anos, a avaliação de forças de segurança era de que a droga vendida pelo PCC era entregue em portos e a responsabilidade para o envio final seria de sócios, como as máfias italianas, nigerianas ou sérvias. Naquele período, o promotor Lincoln Gakiya chegou a identificar que a máfia ficava com 40% da droga e pagava o resto em euros no preço de comercialização.

Com a verticalização do processo, afirma o delegado da PF Marco Smith, já se pode constatar que a própria facção está entregando a droga nos outros continentes, o que explicaria um número cada vez maior de criminosos ligados ao bando vivendo na Europa e na África, por exemplo.

Em 2020, o braço direito do maior líder da facção foi preso em Moçambique, onde planejava controlar o tráfico de drogas e armas no sul da África a partir da parceria com grupos criminosos locais. Apesar de não ser batizado pela sigla, o criminoso era um dos principais aliados do grupo e responsável pela dominação no narcotráfico em parte da América do Sul.

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Lavagem de dinheiro está atrelada à internacionalização do tráfico de drogas

A internacionalização do tráfico também acende o radar para a lavagem de dinheiro, considera a PF, e esquemas fraudulentos para a entrada de dinheiro ilícito no país estão na mira das autoridades brasileiras. Antes da expansão dos negócios e dominação da cadeia do narcotráfico, o dinheiro do PCC era enterrado ou guardado, conforme aponta identificação da PF.

Diante da movimentação bilionária a partir do mercado internacional, existe o transporte clandestino de cédulas em aviões ou navios. Porém, como os volumes estão cada vez maiores, as cifras começam a deixar de circular na forma física e seguem às mãos de doleiros ando por países como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia, geralmente produtores da droga. Mais recentemente também tem se evidenciado, segundo as autoridades em segurança, a compra e a construção de imóveis e luxo no litoral brasileiro, com olhares a cidades como Balneário Camboriú.

Para o delegado Smith, a prisão de uma doleira brasileira em abril de 2022, em Portugal, indica muito sobre a lavagem de dinheiro do narcotráfico brasileiro. Identificada como peça importante na lavagem de dinheiro da Operação Lava Jato, a doleira foi presa durante uma operação da PF que mirava o tráfico internacional de entorpecentes. “Ali ficou muito claro que existe um caminho importante na mão de doleiros que estão a serviço do crime organizado”, destaca.

Hierarquia do PCC

Com uma hierarquia militar e regras bem definidas, um erro ou infração grave cometido por um faccionado pode ser pago com a vida, com direito a julgamento próprio do chamado "tribunal do crime" do PCC. Assim, a facção de faturamento bilionário é comandada por um seleto grupo chamado de Sintonia Final, composto por oito importantes líderes responsáveis pelas tomadas de decisões mais relevantes e de impacto. A apuração foi do promotor de São Paulo que investiga o bando.

Como parte desse grupo está presa e isolada em presídios federais, as autoridades acreditam no esforço para formação de líderes criminosos do lado de fora das grades, para seguir na linha de comando sem colocar em risco o mercado lucrativo de drogas e armas, o que tem provocado disputas e rachas frequentes na fação, aponta Marco Smith.

Os criminosos são audaciosos. O tráfico internacional geralmente ocorre por navios que atravessam oceanos. O delegado da PF conta que pacotes com cocaína são fixados no casco dos navios  por mergulhadores profissionais ou na modalidade chamada de “rip-on, rip-off”, com inserção da droga nos contêineres sem o conhecimento do exportador. Em casos assim, comumente há a participação de profissionais de áreas portuárias na atividade ilícita.

A rota área também está nos planos da criminalidade - e a prática em voos comerciais se tornou evidente. No mês de abril, duas brasileiras foram presas sob acusação de traficarem drogas para a Europa. “As etiquetas de bagagens das duas brasileiras que seguiam para a Alemanha foram trocadas e colocadas em malas com 40 quilos de cocaína e, aparentemente, as pessoas que faziam isso eram bem treinadas, sabiam do ponto cego das câmeras, sabiam o que estavam fazendo. Quantas mais não seguiram viagem nesse mesmo modelo?”, questiona o delegado.

Facção criminosa faz enfrentamento ao poder de Estado

Para o promotor Gakiya, são indispensáveis leis mais severas e união de esforços entre os poderes da República para que a aplicação legal ocorra de forma efetiva. “É preciso firmeza na legislação. Nos últimos anos temos visto o poder econômico desse grupo criminoso aumentar”, destaca ele.

Sabe-se, porém, que no endurecimento de regras o grupo criminoso vai investir ainda mais pesado contra o Estado e, para autoridades em segurança, é imprescindível estar preparado para isso.

Além do planejamento frustrado de mortes como o revelado contra o ex-juiz e senador Sergio Moro, o PCC leva no currículo atos concretizados contra agentes de Estado, como o assassinato de três policiais penais que atuavam em presídios federais: dois no Paraná e um no Rio Grande do Norte, nos anos de 2016 e 2017. “Só não ocorreram mais atos porque as investigações revelaram planos que foram frustrados. Ao longo dos últimos anos foram pelo menos cinco desses planos descobertos e impedidos. Se não vai mais acontecer, não temos como saber, mas estamos sempre em alerta e prontos para dar a resposta que a segurança pública necessita”, afirma o delegado do Sindicato dos Policiais Penais Federais, Carlos Machado.

Machado pontua que ataques assim ocorrem única e exclusivamente para o enfrentamento às forças de Estado após ações repressivas em desfavor do crime organizado. Desde 2019, os principais líderes do bando estão sendo transferidos para presídios federais de segurança máxima, onde ficam em celas individuais e sem contato direto com outros presos.

Nas cinco unidades federais do país, as visitas são monitoradas e ocorrem exclusivamente por parlatório ou videoconferência. Desde 2017, os custodiados no sistema federal não têm visitas íntimas com contato físico. Isso ocorreu após identificação que ordens para atos criminosos fora dos presídios eram dadas a advogados e familiares durante essas visitas. “Envolvia desde o assassinato de um desafeto, determinações para o tráfico de drogas e armas, até os ataques que resultaram nas mortes dos agentes de segurança”, completa Smith.

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