O STF, segundo informações de bastidores, já estaria à procura de uma solução intermediária. Há ministros preocupados com o fato de que qualquer aprovação de vacinas contra a Covid-19, seja por órgãos brasileiros (como a Anvisa) ou estrangeiros (como a FDA norte-americana), ainda terá um caráter emergencial, e podem se ar anos até haver certeza absoluta sobre a eficácia e a segurança dos imunizantes. É possível que haja motivos justificados para que alguém se recuse a tomar a vacina, dependendo dos imunizantes aprovados. Para ficar em apenas um exemplo, se ainda houver dúvidas quanto ao tipo de reação que uma vacina possa provocar em quem já teve Covid-19 e se curou, essas pessoas poderiam perfeitamente alegar possível risco à saúde para não se vacinar.
Até o momento, o meio termo que parece ter a maior simpatia da parte dos ministros estaria na adoção das chamadas “restrições sociais” ou “restrições civis”, que impediria os não vacinados de exercer determinadas atividades ou direitos. Esta, no entanto, é uma solução que exige reflexão muito precisa, e as comparações que vêm sendo feitas não têm ajudado a esclarecer a questão. O paralelo com o fato de não se poder ingressar em alguns locais sem usar máscaras, por exemplo, não se sustenta por um motivo muito simples: o uso da máscara é obrigatório, determinado por leis e decretos estaduais e municipais, o que não seria o caso da vacina facultativa.
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Um dos perigos das restrições civis a não vacinados é o de que elas não sejam razoáveis, violem direitos constitucionais ou interfiram de forma muito radical na relação entre entes privados, como empresas e seus clientes. É por isso que vemos com preocupação, por exemplo, projetos de lei como o 5.040/2020, do deputado Aécio Neves (PSBD-MG), que impõe aos não vacinados as mesmas restrições que a lei eleitoral determina para quem não vota nas eleições, como a proibição de obter empréstimos em bancos públicos e até mesmo de tirar aporte (o que afetaria o direito de ir e vir do indivíduo) ou carteira de identidade. Além de as punições já serem, por si só, nada razoáveis, encontramo-nos de novo diante do mesmo dilema: o voto é obrigatório, mas a vacinação não o seria.
A grande questão diante do tema das “restrições civis”, no fundo, é: até que ponto o Estado pode punir alguém ou impedir-lhe de exercer um direito apenas porque essa pessoa se recusou a fazer algo que a lei não lhe obriga a fazer? Para escapar deste dilema, ainda restaria outra opção que não a das restrições: aquilo que a economia comportamental chama de nudges, incentivos que estimulariam os hesitantes ou refratários a se vacinar, como uma espécie de “cadastro positivo” da vacinação. Assim, em vez de oferecer punições a quem se recusa a tomar vacina (uma decisão que, sendo a vacina facultativa, estaria amparada pela lei), haveria benefícios a quem tivesse se imunizado.
Se por um lado é verdade que não há como esperar até haver vacina para que a maioria das atividades retorne ao menos a um certo grau de normalidade, por outro a vacina é a melhor aposta para que, enfim, a sociedade possa voltar à normalidade completa. Quando ela estiver disponível, a maioria das pessoas a buscará voluntariamente, pelo próprio bem e pelo bem dos demais, especialmente familiares e amigos. Mas ainda restará a questão do que fazer com os que se recusarem a se imunizar, especialmente se não houver razão justa para tal. A busca do bem comum justifica a ação do Estado, desde que qualquer imposição, restrição ou incentivo se dê de forma proporcional e razoável, e é este critério que esperamos ver seguido tanto no Legislativo quanto no Judiciário.