O problema, porém, é que a atual redação da Constituição Federal faz essa interpretação, do ponto de vista jurídico, aproximar-se perigosamente do ativismo judicial. Diz o inciso LVII artigo 5º que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Para quem é contrário à execução em segunda instância, a prisão, pelo texto constitucional, só poderia se dar por razões processuais – preventiva ou provisória – ou com o esgotamento de todos os recursos. Esse embate tem dividido a classe jurídica e o Supremo, preso a uma disputa renhida, com direito a idas e vindas e manobras regimentais que enfraquecem a autoridade do tribunal.  Enquanto a redação do inciso LVII for esta, não há perspectiva de que a questão seja pacificada e a segurança jurídica, garantida definitivamente.

É alvissareiro, então, que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha dito em recente entrevista à Globonews que o parlamento não pode mais se furtar a esse debate. Maia sinalizou, inclusive, que o tema pode ser votado ainda em 2019. O ministro da Justiça, Sergio Moro, defende que mudança seja feita por meio de lei, uma vez que o STF já tem interpretação a favor da segunda instância. O PL anticrime enviado por Moro ao Congresso propõe uma mudança no Código de Processo Penal, que aria a prever que a possibilidade de prisão, além das hipóteses já existentes, em decorrência de decisão “exarada por órgão colegiado”.  A lei aria ainda a dizer que, “ao proferir acórdão condenatório, o tribunal determinará a execução provisória das penas”, exceto se houver questão legal ou constitucional relevante que “possa plausivelmente levar à revisão da condenação”.

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Embora projetos de lei possam ser aprovados com mais facilidades que emendas constitucionais, a mudança legal não afastaria em definitivo as dúvidas sobre a interpretação do dispositivo constitucional que tanto causa polêmica. Por isso, a melhor solução é mesmo reformar a Constituição e colocar o peso do Congresso sobre a solução do ime. Já tramitam apensadas na Câmara duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), de autoria dos deputados Alex Manente (CD-SP) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS), hoje ministro, que propõem uma nova redação para o inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.

É claro que nem mesmo uma PEC garante que se encerre de vez o assunto, porque existe a possibilidade de o STF ser acionado sob o argumento de que uma mudança dessa natureza violaria um direito fundamental cláusula pétrea da Constituição. Mas, nesse caso, a discussão muda de patamar, uma vez que não haveria tendência alguma, sob uma interpretação razoável, de se abolir a presunção de inocência no país. A mudança do texto não atinge a substância da garantia constitucional. Seja como for, a execução da pena após condenação em segunda instância é requisito de segurança jurídica, estabilidade institucional e efetividade da lei penal. Hoje, o melhor caminho para isso é reformar a Constituição.

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