É nítida, por exemplo, a intenção do TSE de ampliar os autoatribuídos superpoderes de polícia a todas as cortes eleitorais estaduais, permitindo que qualquer juiz eleitoral ordene de ofício – ou seja, sem ser acionado por candidato, partido ou pelo Ministério Público – a remoção de conteúdos classificados como “desinformação que comprometa a integridade do processo eleitoral” e que já tenham sido classificados como tais anteriormente pelo TSE. Como se não bastasse o fato de a iniciativa contrariar um princípio básico da Justiça, o de que ela só age quando provocada, a formulação do texto é suficientemente aberta para permitir novas arbitrariedades, já que o conceito de “desinformação” foi bastante alargado pelas cortes superiores para significar, basicamente, tudo aquilo que os ministros desejarem classificar como tal, seja ou não verdadeiro.
Como não recordar, a esse respeito, as circunstâncias que levaram à introdução da citada “desordem informacional” na jurisprudência do TSE? A corte julgava, entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, o pedido do PT para que um vídeo antigo da produtora Brasil Paralelo fosse censurado. Seu conteúdo era um resumo dos escândalos de corrupção petistas desde o mensalão; nada ali era fake ou mentiroso, e mesmo assim prevaleceu a tese do então ministro Ricardo Lewandowski, para quem “o cidadão comum não está preparado para receber esse tipo de desordem informacional”. Pouco antes, a corte também havia censurado informações totalmente verídicas sobre os laços que uniam o então candidato Lula ao ditador nicaraguense Daniel Ortega.
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Também é preocupante o papel concedido pelas propostas às agências de checagem que am acordos com o TSE, já que sua “classificação de conteúdos” poderá “ser utilizada como parâmetro para aferição de violação ao dever de cuidado”. Isso significa que as agências ganham ainda mais poder para “definir” o que é verdadeiro ou o que é fake, apesar de as agências serem organismos privados, em certos casos financiadas por pessoas ou entidades com claro viés político, e de já terem cometido erros que colocam em xeque sua credibilidade. Acrescente-se, ainda, a tentação recorrente de ampliar o conceito de fake news, que deveria englobar apenas afirmações factuais comprovadamente falsas, para incluir nele qualquer opinião ou análise da qual se discorde, para entender o risco à liberdade de expressão ao transformar as agências de checagem em “árbitras” da veracidade ou falsidade de uma afirmação.
Todos esses – e vários outros – pontos foram levantados durante as audiências públicas, e cabe à ministra Cármen Lúcia decidir se acata ou não as observações ao redigir a versão final das resoluções que o TSE votará em breve. A relatora, é bom lembrar, foi aquela que votou pela censura prévia do documentário Quem mandou matar Jair Bolsonaro? alegando “situação excepcionalíssima”. Pois agora, ao que tudo indica, a corte (ou pelo menos alguns de seus membros) perdeu qualquer resquício de pudor e quer transformar a exceção em regra, devidamente formalizada, abafando de vez a liberdade de expressão nas campanhas eleitorais, um dos momentos em que ela se torna ainda mais essencial.