Os mesmos dez ministros que votaram pela constitucionalidade da vacinação obrigatória também avaliaram que estados e municípios teriam o direito de adotar essa medida. Prevaleceu, novamente, o relatório de Lewandowski, apoiado na leitura da Lei 13.979/2020, que incluiu a “determinação de realização compulsória de: (...) vacinação e outras medidas profiláticas” entre as medidas que estados e municípios podiam tomar para combater o coronavírus – a possibilidade se encaixaria nos dispositivos constitucionais (como os artigos 23 e 24 da Carta Magna) que estabelecem competência conjunta de União, estados e municípios em questões ligadas à saúde.
A tese vencedora, no entanto, traz consigo uma série de ressalvas, já previstas no voto do relator. Lewandowski lembrou que a própria Lei 13.979 impõe algumas condições para que as autoridades implantem medidas de combate ao coronavírus. Além disso, em hipótese alguma uma pessoa poderá ser coagida a se vacinar, pois vacinação compulsória não é sinônimo de vacinação forçada; o relator lembrou que na Revolta da Vacina, em 1904, o descontentamento popular foi agravado justamente porque o poder público recorreu a medidas como invasão de residências. No entanto, os ministros itiram que, nos locais onde houver vacinação obrigatória, quem se recusar pode estar sujeito às chamadas “restrições civis”, definidas por Lewandowski como “vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais”. Esse tipo de punição já existe em relação ao calendário nacional de vacinação – por exemplo, a proibição de receber benefícios do governo ou de matricular crianças que não estejam com as vacinas em dia. No caso da Covid-19, será preciso que as Assembleias Legislativas ou Câmaras de Vereadores daqueles estados ou municípios onde a vacinação for obrigatória aprovem leis com as restrições aplicadas a quem não quiser se imunizar.
VEJA TAMBÉM:
Atendo-se ao texto da lei, o Supremo evitou excessos – teria sido absurdo, por exemplo, que a corte decidisse por conta própria que a vacinação contra o coronavírus fosse obrigatória no país, tomando para si uma decisão que caberia apenas ao Poder Executivo. Mas o julgamento encerrado na quinta-feira não esgota o tema. Permanecem questões em aberto, e que provavelmente só chegarão à corte quando a vacinação efetivamente começar. Será aceita a objeção de consciência caso alguém que defenda a vida desde a concepção se recuse a tomar a vacina, se as únicas opções disponíveis forem imunizantes cujo desenvolvimento incluiu o uso de linhagens celulares provenientes de fetos abortados? Qual será o limite das “restrições civis”, em termos de direitos que podem ou não ser afetados?
Num cenário ideal, toda a discussão sobre obrigatoriedade nem seria necessária: a população buscaria a vacina de livre e espontânea vontade, em quantidade suficiente para garantir que o vírus já não conseguisse se propagar em uma localidade. No entanto, talvez isso não ocorra no caso da Covid-19, tamanhos os questionamentos – fundados ou não – a respeito das vacinas que vêm sendo desenvolvidas. Neste cenário, a decisão do Supremo vem para dar respaldo às autoridades que julgarem necessário adotar medidas mais severas para livrar suas cidades ou estados da pandemia, já que, pelas indicações do presidente Jair Bolsonaro, não haverá obrigatoriedade em nível nacional. Que cada gestor saiba tomar a melhor decisão para que possamos, o quanto antes, vencer o coronavírus definitivamente.