Há explicação para tamanha apatia? É possível que, em alguns casos, estejamos diante de um exacerbado formalismo, segundo o qual os atos do Supremo não poderiam ser arbitrários porque estariam seguindo todos os trâmites e formalidades legais. E mesmo isso já é bastante controverso, dada a natureza dos inquéritos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais”, com toda a aglomeração dos papéis de vítima, investigador, acusador e julgador na mesma figura, ou com o desprezo total pelo princípio do juiz natural, já que vários dos alvos desses inquéritos, incluindo os oito empresários, não têm prerrogativa de foro. Também o Supremo está sujeito à lei, e é possível ao Judiciário ser antidemocrático sem recorrer à força bruta, tanto quanto o Executivo ou o Legislativo poderiam sê-lo.

Mas há outra hipótese, bem mais plausível no cenário atual: a profunda aversão (justificada ou não, pouco importa) de vários setores da sociedade civil e da imprensa ao presidente Jair Bolsonaro. O fato é que os alvos dos inquéritos no Supremo têm sido quase que em sua totalidade apoiadores ou aliados do presidente da República. E, como esses adversários de Bolsonaro estão convictos de que o presidente tem pendores golpistas que serão concretizados a qualquer momento, tudo que seja feito contra ele e contra os bolsonaristas seria uma reação legítima contra aquele que é considerado por essas pessoas o único ator verdadeiramente antidemocrático da vida política nacional.

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Tanto o formalismo quanto a seletividade, no entanto, revelam “democratas pela metade”. Ou estamos falando de pessoas que efetivamente não compreendem o alcance do império da lei e o valor dos direitos e garantias constitucionais, que também o Supremo Tribunal Federal tem de respeitar; ou, pior ainda, estamos diante de quem está disposto a relativizar voluntariamente tais direitos e garantias em nome de uma guerra política na qual o inimigo precisa ser aniquilado a qualquer preço. Isso não é defesa da democracia: é pavimentar o caminho para a sua destruição.

Ninguém realmente comprometido com a defesa dos valores democráticos pode tolerar que o Judiciário atue contra cidadãos brasileiros por causa de opiniões legítimas, sejam boas ou ruins, nem pela simples especulação a respeito de se poder realizar determinadas ações. Entidades que um dia já foram referência na defesa da democracia, veículos e formadores de opinião que se destacaram na luta pelo fim do arbítrio no ado, e que demonstram uma vigilância ativa para qualquer ato ou palavra do presidente da República, estão vivendo um “sono da razão” quando se trata do Supremo. E este sono “produz monstros”, para usar a expressão da célebre gravura de Francisco de Goya. É preciso acordar rapidamente para o que Alexandre de Moraes e o STF estão fazendo com a democracia brasileira. Ainda que estejam sinceramente empenhados em protegê-la, suas ações estão objetivamente instituindo um Estado policial que persegue e pune opiniões, que nega o direito à ampla defesa, que viola o devido processo legal, que recorre ao sigilo para que a sociedade não possa ver o tamanho do arbítrio e da ilegalidade.