De fato, ao menos durante a campanha eleitoral, Lula tentou emplacar uma imagem “pró-vida”, mas isso só aconteceu após a percepção de que, para vencer, o então candidato iria precisar do apoio não só de seus militantes, mas também dos eleitores mais conservadores, que não compactuam com a liberalização do aborto.

Ao longo de toda sua trajetória política, como mostrou a Gazeta do Povo, Lula sempre apoiou a ideia de que o aborto seria uma “questão de saúde pública”.  Enquanto ainda era pré-candidato, por exemplo, em abril de 2022, ele defendeu um suposto “direito” ao aborto. "Aqui no Brasil não faz porque é proibido, quando na verdade deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha", disse ele.

O discurso mudou com o início da campanha eleitoral, quando Lula tentou enfatizar que sua posição “pessoal” – e, portanto, não como político – era contrária ao aborto, tudo para tentar conquistar a simpatia de mais eleitores. Em setembro do ano ado, em vídeo destinado a eleitores evangélicos, Lula adotou uma fala bem diferente do seu posicionamento histórico:  “Não só eu sou contra o aborto como as mulheres com quem eu casei são contra o aborto. Eu acho que quase todo mundo é contra o aborto. Não só porque nós somos defensores da vida, mas porque deve ser uma coisa muito desagradável e dolorida alguém fazer um aborto”, disse ele na gravação.

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Poucos dias após esse vídeo, Lula divulgou a famosa “Carta aos Evangélicos”, onde, entre outros temas, trata do aborto. No documento, encarado por muito como uma espécie de carta-compromisso com os eleitores evangélicos, é dito que “nosso projeto de governo tem compromisso com a vida plena em todas as suas fases. Para mim a vida é sagrada, obra das mãos do Criador e meu compromisso sempre foi e será com sua proteção. Sou pessoalmente contra o aborto e lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo presidente da República e sim pelo Congresso Nacional”, dando a entender – mas não se comprometendo de maneira categórica – que não atuaria para alterar a legislação em relação ao aborto, deixando o tema para o Congresso.

Agora, já nos primeiros dias de governo, Lula esclarece de uma vez por todas qual é sua real posição sobre o aborto e qual o valor que dá aos compromissos com eleitores. Nunca foi sua intenção proteger a vida desde a concepção, e muito menos deixar que esse tema seja tratado apenas pelo Congresso. No que estiver ao seu alcance, o governo de Lula vai, sim, buscar ampliar o aborto, sem se importar com o que pensa a sociedade. É uma pena que muitos só agora – como os bispos da CNBB – comecem a se dar conta de que o “Lula pró-vida” não ou de um engodo.