A própria natureza do quinquênio, portanto, já evidencia seu caráter imoral, acentuando desigualdades dentro do serviço público, que por sua vez já é causador de desigualdade ao remunerar suas carreiras bem acima da média dos mesmos postos na iniciativa privada, conforme atestou um estudo já clássico do Ipea. Mas, não contentes em aprovar o penduricalho, os senadores acrescentaram os chamados “requintes de crueldade”, por exemplo ao atribuir ao quinquênio natureza indenizatória, e não remuneratória, o que de imediato permite que os valores recebidos não contem para efeitos de respeito ao teto constitucional do funcionalismo.
Também não faltou cinismo da parte dos promotores da PEC. O principal deles, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), autor da PEC, chegou ao ponto de afirmar que “precisamos proporcionar um ambiente atrativo ou perderemos profissionais altamente vocacionados para outras carreiras que remuneram melhor ou que imponham menos sacrifícios para a vida pessoal dessas pessoas”. Pacheco fala como se houvesse pessoas sendo obrigadas a entrar em uma dessas carreiras; como se quem optasse por elas desconhecesse totalmente as exigências que elas trazem; e como se elas já não fossem bastante atrativas, como bem o demonstram as legiões de “concurseiros” que gastam vários anos de suas vidas em busca do objetivo de ingressar no Judiciário, nos MPs, nos TCs e em outros órgãos que serão agraciados com o quinquênio.
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O custo da farra é estimado em R$ 1,8 bilhão neste ano, que já está em curso, mas o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), fala em R$ 42 bilhões por ano. Este valor corresponde a metade do déficit primário previsto para o governo federal este ano. É um dinheiro que o país não tem, e que será destinado a quem já recebe muito, em vez de ir para os brasileiros que mais necessitam dele. O que já seria uma grande imoralidade em um país que estivesse com os cofres transbordando se torna uma mostra de puro desprezo pela população em um país incapaz de prover serviços públicos básicos com a qualidade necessária.
Pacheco pretende colocar a PEC dos privilégios para votação no plenário já na próxima terça-feira, dia 23. Os senadores têm a obrigação moral de derrubar a proposta, que escancara o enorme abismo que existe entre uma parcela já bastante privilegiada da sociedade e a enorme maioria de brasileiros, a quem juízes, promotores, procuradores e outros servidores têm a obrigação de proporcionar justiça. A necessidade de remuneração justa e reconhecimento de carreiras que são, sim, importantíssimas para o país não justifica a adoção de imoralidades, muito menos sua cristalização na Constituição Federal.