Essa issão, ainda que nada intencional, nos leva ao coração do problema do sistema partidário no Brasil. Diz-se que o Brasil tem partidos demais, quando a verdadeira questão é outra. Criar uma legenda no país é um processo extremamente complicado, que exige uma série de burocracias, incluindo um número enorme de s de eleitores; mas, uma vez superada essa barreira, mesmo o mais nanico dos partidos tinha – até a implantação da cláusula de barreira – direito a uma série de benefícios que independiam de seu apelo junto ao eleitorado. É isso que favorece o esforço por montar legendas de aluguel ou feudos de caciques partidários.
Essa lógica precisava ser radicalmente invertida. A formação de partidos deveria ser um processo muito mais simples. Se um grupo de cidadãos unidos por um determinado ideal – seja uma ideologia política, uma causa específica ou uma política identitária – acredita que o melhor meio de conseguir implantar sua plataforma é por meio da atuação direta na política partidária, com representantes eleitos, deveria ter o direito de montar seu partido, de forma tão simples como a constituição de uma empresa. Mas os partidos, dos mais aos menos expressivos, teriam de se manter única e exclusivamente com recursos e contribuições de seus filiados e dos que acreditam nas mesmas causas. A cláusula de barreira nem de longe resolve esse problema; continua a ser vergonhoso que as legendas, mesmo as maiores, sejam bancadas com recursos do contribuinte, que muitas vezes rejeita as plataformas defendidas por quem recebe seu dinheiro. Mas ao menos ela impede que partidos incapazes de conquistar uma parcela mínima do eleitorado continuem a se beneficiar desses valores.
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O mesmo pode ser dito da proibição das coligações nas eleições proporcionais. O modelo anterior criava situações em que o voto de um eleitor com determinada posição política ajudava a eleger um candidato de orientação às vezes totalmente diferente, tão comuns eram as coligações sem a menor coesão ideológica. Agora, cada partido tem de demonstrar que seus próprios quadros e ideias têm apelo diante do eleitor, em vez de surfarem no prestígio de outros partidos ou candidatos.
Reconhecemos, no entanto, que há legendas pequenas com perfil marcadamente ideológico; não se trata de partidos de aluguel ou que giram em torno de um cacique. Durante a tramitação da PEC da minirreforma, levantou-se a possibilidade de permitir “federações” de partidos, que juntos poderiam superar a cláusula de barreira, mas que teriam de atuar ao longo de toda a legislatura de forma unificada, o que só seria possível se houvesse coesão ideológica entre os integrantes de tal federação. Esse modelo acabou descartado e não entrou na Emenda 97, mas seria uma alternativa ao menos merecedora de consideração, ao contrário das demais propostas que vêm sendo levantadas.
A Gazeta do Povo defende o voto distrital misto como o melhor sistema eleitoral para o Brasil. Ele torna campanhas mais baratas, aproxima eleitos de eleitores e, na sua dimensão mista, preserva a importância dos partidos e impede a sub-representação. Enquanto o país não adota este sistema, no entanto, o atual modelo proporcional pode e deve ser aperfeiçoado. A cláusula de barreira (que, é preciso lembrar, é bem mais amena no Brasil que em outras democracias maduras, como as europeias) e a proibição de coligações contribuem para esse aperfeiçoamento; faltaria, ainda, a facilitação para a criação de partidos e o fim das formas de financiamento público a legendas e campanhas eleitorais. Em vez de um avanço nesses temas, é preocupante ver movimentações para abolir as melhorias já conquistadas ou ressuscitar a ideia do “distritão”, que enfraqueceria os partidos, em vez de fortalecê-los.