Em primeiro lugar, é mais que óbvio que não haveria impacto algum se todos os atores tivessem agido com honestidade. Nem na Alemanha, nem nos Estados Unidos – para usar os exemplos de Toffoli – houve um esquema como o petrolão, em que o governo aparelhou uma empresa estatal e usou seus contratos para colocar em funcionamento um esquema bilionário de propinas com o objetivo de fraudar a democracia e perpetuar um projeto partidário de poder. E, se houve o esquema, a melhor coisa que poderia ter ocorrido ao país foi a sua descoberta, graças ao trabalho de instituições como a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, permitindo que a sociedade conhecesse em detalhes como o Brasil foi saqueado e quem foram os responsáveis por isso. A alternativa, é claro, seria que tudo continuasse funcionando nas sombras, com todos os investimentos fluindo da forma prevista – bem como as propinas.

E, se também as empresas, e não apenas os empresários, sofreram as consequências do fato de a Lava Jato terem desmontado o esquema de propinas, isso se deu porque as leis do país assim o determinam – principalmente a Lei de Licitações e a Lei Anticorrupção, esta última sancionada em 2013 por Dilma. Toffoli deveria saber disso, pois, quando deu seu voto decisivo para derrubar a prisão após condenação em segunda instância (o que, aliás, levaria à soltura de alguns empreiteiros pegos pela Lava Jato), alegou justamente a soberania do povo exercida por meio de seus representantes, que teriam aprovado a redação atual do Código de Processo Penal. Ora, o que vale para o P também vale para a Lei de Licitações e a Lei Anticorrupção.

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Assim, a crítica de Toffoli simplesmente não procede. Não é a Lava Jato que destrói empresas, mas a opção de seus donos pela corrupção, punida com a correta aplicação de uma lei devidamente aprovada pelo Congresso Nacional. Pode-se questionar se a estratégia de castigar também as empresas, quando elas estão implicadas em escândalos de corrupção, é razoável. Mas, se uma companhia colabora, por meio de seus donos e executivos, para defraudar o governo, nada mais natural que essa empresa sofra as sanções previstas na legislação, como multas e a declaração de inidoneidade, que a impede de celebrar novos contratos com o poder público – foi o que ocorreu, por exemplo, com a alemã Siemens, condenada a pagar pesadas multas em seu país de origem por um esquema descoberto em 2007 e que ficou proibida de participar de licitações do Banco Europeu de Investimentos até 2014. Além disso, no caso brasileiro, a legislação também contempla maneiras de as pessoas jurídicas mitigarem as punições aplicadas, por meio da cooperação com os órgãos de investigação.

Neste caso – e em muitas outras acusações injustamente lançadas contra a Lava Jato – não existe “mas”. De fato, obras foram interrompidas, brasileiros perderam seus empregos, e algumas empreiteiras envolvidas no esquema realmente enfrentam dificuldades, estando em recuperação judicial. Mas a Lava Jato nem de longe é a causa desse estado de coisas; afirmar o contrário, como acabou de fazer o presidente do STF, é errar completamente o alvo. É como culpar quem abre as janelas pela imundície no quarto, quando na verdade a luz do sol, nas célebres palavras de Louis Brandeis – também ele um membro de suprema corte, no caso a norte-americana – não é a causa da sujeira, mas sim “o melhor desinfetante”.

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