Quanto aos argentinos, o retorno do peronismo de esquerda ao poder, com a vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, basta por si só para explicar a desvalorização do peso. Tradicionalmente, diante da perspectiva de caos econômico, a moeda norte-americana é o refúgio dos argentinos, a ponto de o governo impor restrições absurdas à compra de dólares por parte dos cidadãos – em pelo menos uma ocasião, os caixas eletrônicos uruguaios se tornaram a alternativa preferida de quem podia atravessar o Rio da Prata.

No caso brasileiro, a alegação de Trump é ainda mais surreal, pois qualquer analista econômico reconhece que o câmbio, no Brasil, é livre e a depreciação recente do real tem origem em vários outros fatores, alguns dos quais já explicados neste espaço e que têm relação até mesmo com o cenário norte-americano, como a guerra comercial com a China e a redução da diferença entre os juros cobrados nos dois países. A atuação do Banco Central brasileiro, que colocou dólares à venda para impedir que a cotação subisse ainda mais, contradiz frontalmente a alegação de Trump a respeito de uma suposta “manipulação cambial”; afinal, se houve algum tipo de intervenção, ela se deu em sentido diametralmente contrário ao apontado pelo norte-americano. Isso é tão evidente que, descartando o que seria uma ignorância avassaladora, aplicável também aos assessores próximos do presidente, sobram as possibilidades de jogo de cena da parte de Trump para agradar o público interno, ou de um voluntarismo truculento de que o norte-americano já deu mostras no ado.

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A resposta do governo brasileiro foi buscar um canal de diálogo com os norte-americanos para que a ameaça não se concretize. É a primeira opção – e que já funcionou em 2018, quando Trump anunciou pela primeira vez a sobretaxa sobre aço e alumínio. Se desta vez a estratégia falhar, o país tem outros caminhos à disposição, incluindo o recurso à Organização Mundial do Comércio, apesar do desprezo de Trump por fóruns multilaterais, ou uma retaliação na forma de tarifação sobre produtos norte-americanos. A escalada protecionista, no entanto, é a opção que os dois lados deveriam evitar. A medida norte-americana pode beneficiar alguns setores locais, mas também prejudica as empresas daquele país que dependem da matéria prima importada, e que rearão adiante os custos mais altos que terão daqui em diante; ela também atinge os exportadores norte-americanos que serão afetados por uma eventual resposta brasileira, que por sua vez teria aqui o mesmo efeito de encarecer itens importados dos Estados Unidos, prejudicando o consumidor. Guerras comerciais, no fim, sempre deixam alguns poucos vencedores e muitos perdedores.

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