É forçoso reconhecer que o Brasil, historicamente, não tratou seus indígenas com a dignidade que eles merecem. E o fez das mais diversas maneiras, indo da usurpação pura e simples de suas terras até certo “congelamento” ideológico defendido por muitos antropólogos que enxergam os índios como “museus humanos”, negando-lhes o direito de fazer suas escolhas livres, obrigando-os a abrir mão de qualquer avanço tecnológico e a não mudar absolutamente nada em suas práticas econômicas, culturais e religiosas, mesmo que esses indígenas desejassem adotar um outro estilo de vida. O constituinte buscou realizar uma reparação, reconhecendo os “costumes, línguas, crenças e tradições” indígenas e, principalmente, garantindo-lhes o direito à terra. Mas, para que pudesse haver uma pacificação definitiva do assunto, foi preciso estabelecer critérios, e a escolha do constituinte foi pelo marco temporal, que já garantiu aos indígenas algo entre 10% e 14% do território brasileiro, dependendo das estimativas – uma proporção já muito significativa quando se considera a participação dos indígenas na população brasileira. 6x5o49
O simplismo polarizador atual tenta descrever o marco temporal como mera plataforma de agropecuaristas inescrupulosos e de um presidente sem consideração para com os índios; no entanto, ele é a aplicação pura e simples da Constituição. A regra está posta: havendo a comprovação da ocupação da terra pelos indígenas em outubro de 1988, não se pode negar seu direito e o poder público tem a obrigação de seguir adiante com a demarcação da terra. Mas revogar o marco temporal seria colocar todo esse processo em xeque, plantando a semente do caos sobre o direito à propriedade de áreas rurais no Brasil e mostrando que a única certeza que existe, quando um tema chega ao Supremo, é a de que não existe certeza alguma.