Recordado este princípio, resta-nos agora analisar o caso específico das manifestações pela reabertura dos estabelecimentos durante a quarentena do coronavírus, e a pergunta que precisa ser feita para analisar o acerto ou o erro das decisões judiciais é: que tipo de protesto estava sendo convocado? Várias cidades e estados determinaram, além do fechamento dos estabelecimentos não essenciais, a suspensão de eventos que resultassem em aglomeração de pessoas, dado o elevado risco de contágio pelo coronavírus. Assim, um protesto que procurasse reunir manifestantes em algum ponto específico de determinada cidade estaria ocorrendo em descumprimento às restrições impostas pelo poder público, justificando uma intervenção judicial em face do risco à saúde pública.

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No entanto, a maioria dos atos que foram alvo das recentes medidas judiciais consiste em carreatas, a forma de protesto escolhida pelos organizadores justamente porque não causa aglomerações e, desde que não haja interação entre os ocupantes de veículos diferentes, praticamente elimina os riscos de contágio. Aqui já não cabe falar em ameaça à saúde pública nem em desrespeito a determinação estadual ou municipal, motivo pelo qual a proibição desse tipo de manifestação – sempre que não resulte ou seja acompanhada de aglomeração de pessoas fora dos veículos, há de se reforçar – é uma perigosa violação das liberdades de expressão e de reunião previstas nos incisos IV e XVI do artigo 5.º da Constituição Federal.

Como já lembramos neste espaço por ocasião dos bloqueios estabelecidos por governos estaduais e municipais em rodovias e demais os, há motivos mais que razoáveis para medidas que preservem a saúde pública, mas qualquer restrição a liberdades fundamentais só pode ser adotada em circunstâncias muito específicas. O excesso de zelo na tentativa de evitar mais contaminações e mortes traz consigo a tentação de abolir, ainda que temporariamente, essas liberdades. Não é deixando o vírus do arbítrio circular livremente que conseguiremos vencer o coronavírus.

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