Além disso, outro aspecto peculiar é o fato de, segundo o próprio Bezerra, o estado de emergência permitir apenas as medidas explicitamente previstas na PEC – se por um lado isso evita o “cheque em branco” de que fala o senador, por outro reforma a percepção de que estamos diante de um deus ex machina criado apenas para viabilizar o benefício aos caminhoneiros. Diante de todos esses fatores, não será surpreendente se a Justiça Eleitoral considerar não haver os requisitos necessários para a decretação de estado de emergência, como já fez com os governadores Jackson Lago (do Maranhão) e Luiz Fernando Pezão (do Rio de Janeiro), condenados em 2009 e 2019, respectivamente, por abuso de poder econômico.
Elevação de benefício social às vésperas da eleição, gastos deliberadamente excluídos das regras de ajuste fiscal, decretação de emergência sob medida para permitir o surgimento de um novo benefício, tudo com data marcada para acabar – se um governo de esquerda estivesse realizando essas mesmas ações em ano eleitoral, ninguém hesitaria em classificá-las como eleitoreiras e irresponsáveis do ponto de vista fiscal, porque efetivamente o são. Não se trata, aqui, de exigir que o governo faça algo para mitigar o efeito da crise global de preços e, ato contínuo, criticar sempre que Bolsonaro ou a base aliada no Congresso surjam com alguma solução; isso seria hipocrisia de quem aposta no “quanto pior, melhor” de olho nas eleições de outubro. Trata-se de avaliar cada ação pelo que ela efetivamente representa por critérios como os de legalidade, efeitos econômicos e respeito ao pacto federativo. Não é porque “algo tem de ser feito” que se possa lançar mão de qualquer solução, muito menos uma que é bastante frágil legalmente e tem todas as características de uma cartada com fins eleitorais.
O texto foi atualizado para incluir a informação sobre a aprovação da PEC no Senado, ocorrida após a publicação do editorial.
Atualizado em 30/06/2022 às 22:18