O grande nó para o avanço da liberdade econômica no país continua a ser a questão fiscal e o gasto governamental, dois critérios nos quais o Brasil regrediu em 2019, com deprimentes 4,6 pontos (novamente, em escala de zero a 100) no item “saúde fiscal”. Afinal, o país continua a colecionar déficits primários ano após ano, e mesmo antes do coronavírus já se estimava que 2020 não seria diferente, com um rombo ainda maior que o do ano ado, amenizado apenas pela entrada de receitas extraordinárias, como as do leilão do pré-sal.

E a pandemia tem tudo para terminar de destruir o que restava da saúde fiscal do país. Quando conseguiu do Congresso o reconhecimento do estado de calamidade pública, o governo ainda trabalhava com um cenário no qual o gasto adicional seria pouco e destinado apenas à saúde, com a maior parte das medidas econômicas consistindo em adiamento de impostos, antecipação de benefícios e novas linhas de crédito. À medida que o caos foi se instalando e ficou claro que a atividade econômica seria paralisada por tempo considerável, ficou clara a necessidade de colocar mais dinheiro público para garantir que empresas não quebrem e trabalhadores tenham como sustentar a si mesmos e suas famílias. Em 30 de março, relatório do Tesouro Nacional já projetava um déficit primário de R$ 400 bilhões neste ano.

Os gastos são necessários em circunstâncias extraordinárias, mas deixarão consequências duradouras. Como explicou à Gazeta do Povo o coordenador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, Vladimir Maciel, ainda sofremos as consequências do aumento do gasto público e do tamanho do Estado no pós-crise de 2008, quando a liberdade econômica no Brasil começou a regredir de forma mais drástica. E não nos esqueçamos de que nem naquela época se observou um ataque frontal à liberdade econômica da magnitude verificada agora, com a suspensão por decreto de diversas atividades. Só o que serve de consolo neste momento é o fato de que as medidas restritivas de agora são o resultado de uma situação excepcional, e não de uma ideologia intervencionista do poder público – especialmente quando falamos do governo federal, o mais comprometido com a liberdade econômica a ocupar o Palácio do Planalto nos últimos anos.

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Por fim, a pandemia ainda impacta a própria agenda de reformas, que ou para o segundo plano: é altamente improvável que uma reforma tributária seja aprovada ainda no primeiro semestre, como se estimava no início do ano; quanto à reforma istrativa, nem chegou a ser enviada ao Congresso pelo governo, e talvez nem o seja enquanto durar o surto do coronavírus.

Não é simples reverter um movimento tão forte de expansão do gasto público e dos poderes governamentais como o que está ocorrendo agora. A economia global jamais será a mesma depois da pandemia em muitos aspectos, mas, do ponto de vista fiscal e legal, poderemos dar-nos por satisfeitos se o país for capaz de retornar ao esforço de ajuste e de desburocratização que vinha sendo empregado até semanas atrás, para poder continuar avançando de onde parou. Só essa normalização já consumirá todo o esforço que poderíamos ter devotado ao prosseguimento das reformas em 2020, se o mundo não tivesse sido engolido pelo caos.