Em resumo, o órgão cuja função constitucional é a de zelar pelo uso do dinheiro público, realizando a “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da istração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas”, não pode tocar no dinheiro dos juízes. Já os conselhos do Judiciário, incluindo o CNJ, cuja função constitucional é a de fazer o “controle da atuação istrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”, incluindo “zelar pela observância do artigo 37”, pelo qual impessoalidade e moralidade são princípios que regem a istração pública, podem tomar decisões imorais e em benefício próprio, contando com a cumplicidade dos membros da principal corte do país.
Pois Toffoli está longe de ser o único a compactuar com expedientes que buscam elevar a remuneração dos juízes, muitas vezes ultraando o teto constitucional. Como não esquecer da quase eterna liminar de Luiz Fux que, em 2014, determinou o pagamento de auxílio-moradia a todos os magistrados, incluindo os que tinham imóvel na comarca em que atuavam? A liminar, em uma das incríveis coincidências típicas de Brasília, só foi derrubada em 2018, depois que o então presidente Michel Temer sancionou um reajuste salarial aos juízes. Neste caso, a eficiência do Supremo para garantir os privilégios à magistratura veio não da rapidez, mas da lentidão proposital, já que a liminar de Fux jamais foi levada ao plenário da corte.
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A discussão a respeito do custo de medidas como a volta do quinquênio é importante no contexto atual de recursos escassos, mas não é a principal. Ainda que os cofres públicos estivessem abarrotados de dinheiro e o Brasil estivesse registrando superávits nominais seguidos, não haveria justificativa aceitável para que um único centavo fosse empregado em imoralidades e privilégios, em qualquer poder, em qualquer esfera de governo. Isso vale para fundos partidários e eleitorais, bem como para penduricalhos no contracheque de magistrados e membros do Ministério Público. Que eles e as entidades que os representam se empenhem tanto na criação ou na ressurreição desses benefícios só demonstra o tamanho do descolamento entre esta elite e a enorme maioria da população, pois só os penduricalhos dos juízes, procuradores e promotores já equivalem a um valor muito maior que o salário total de inúmeros brasileiros.
Como a Gazeta do Povo já repetiu inúmeras vezes, magistrados e membros do MP merecem uma remuneração condizente com a importância do serviço que prestam à sociedade, e têm o direito de pleitear tal remuneração. Mas não têm o direito de recorrer a subterfúgios e filigranas jurídicas para elevar de forma imoral os seus vencimentos, definindo os próprios benefícios por meio de conselhos, servindo-se da população em vez de servi-la. Agindo desta forma, desmoralizam a si mesmos e às instituições a que pertencem, mostrando o enorme abismo que há entre os donos do poder e o Brasil que trabalha dia e noite para sustentar todos eles.