Seria possível alegar que a PGR teria a chance de realizar essa individualização em uma fase posterior, durante os julgamentos. No entanto, a jurisprudência do STF aponta para a rejeição das denúncias em que falta a descrição detalhada dos crimes atribuídos a cada acusado: ao menos desde 2016, Supremo, STJ e cortes de instâncias inferiores têm recusado denúncias carentes de individualização em casos diversos, que incluem esquemas de corrupção, crimes societários e formação de milícias – o episódio mais célebre foi a anulação, em 2016, das sentenças dos policiais acusados pelo massacre de presos no Carandiru. Se aceitar as denúncias genéricas, portanto, o Supremo estará revertendo seu entendimento – o que, a bem da verdade, não é uma raridade quando se trata da suprema corte brasileira. 16fx
O que não falta, no caso do 8 de janeiro, é documentação – imagens produzidas por câmeras de segurança que registraram a invasão das sedes dos três poderes, fotos e vídeos feitos pelos próprios denunciados nos acampamentos, publicações em mídias sociais. A PGR, que se imagina estar ciente do entendimento do STF a respeito da necessidade de individualização de condutas já no momento da apresentação da denúncia, teve ao menos dois meses para analisar todo esse material; se o melhor que conseguiu produzir foram denúncias genéricas e idênticas, estamos diante de um autêntico descaso na investigação do ato mais grave da vida política nacional dos últimos meses, que não se resumiu a mero vandalismo, mas foi “o ponto culminante de um movimento que pretendia uma ruptura antidemocrática após a vitória de Lula nas urnas em outubro de 2022”, como já descrevemos em outra ocasião, ainda que nem todas as pessoas ali presentes tivessem a exata percepção disso ou compartilhassem dos mesmos objetivos em todos os seus detalhes. E essa apuração feita sem critério, caso seja aceita pelo STF no momento de julgar o 8 de janeiro, deixará as portas abertas para um arbítrio ainda maior que o das prisões preventivas: o de sentenças definitivas sem que ninguém saiba ao certo o que cada condenado fez para merecer sua pena.