E, além dos bloqueios, há outras medidas que impedem a circulação de pessoas e que também devem nos preocupar. É o caso do decreto de Porto Alegre (RS) que proíbe pessoas acima de 60 anos de sair às ruas – com a exceção de deslocamentos para vacinação, atendimento médico e compras em mercados ou farmácias – ou o ainda mais restritivo decreto de Campo Grande (MS) que impõe toque de recolher em toda a cidade das 20 horas às 5 horas da manhã seguinte, prevendo apreensão de veículos e condução à delegacia daqueles que não comprovarem motivo aceitável para estar na rua.

O STF faria bem se analisasse os bloqueios (e outras medidas restritivas que porventura sejam questionadas na corte) usando o princípio da proporcionalidade. Parece claro que o crivo da adequação (“a medida é eficaz para conseguir o objetivo desejado?”) está atendido, pois, se a intenção é controlar o surto, impedindo a proliferação do vírus decorrente da entrada de pessoas contaminadas, o bloqueio cumpre essa função; segue-se o critério da necessidade: há medidas menos restritivas e igualmente eficazes? Aqui será preciso fazer uma análise técnica de opções como, por exemplo, a identificação e a quarentena dos infectados ou que efetivamente apresentem os sintomas da Covid-19. Caso se conclua que bastam essas ações, este deverá ser o caminho a seguir. Mas, se elas não forem suficientes, resta a análise final dos bloqueios pelo critério da proporcionalidade em sentido estrito: o fato de eles preservarem a saúde de quem já está na área bloqueada compensa a redução da liberdade advinda desta restrição ao direito de ir e vir?

Conter a disseminação do coronavírus é importante, e os governos não podem se omitir nessa missão. A saúde pública é um bem que o poder público tem o dever de proteger, mas isso precisa ser feito de forma que não se restrinja liberdades de forma desnecessária ou abusiva. Situações extraordinárias como a causada pela pandemia pedem medidas extraordinárias e todos os fatores precisam ser colocados na balança. Há condições muito específicas sob as quais se pode itir restrição às liberdades fundamentais, e a defesa dessas liberdades também exige a aceitação de certos riscos, como lembrou recentemente o colunista da Gazeta do Povo Guilherme de Carvalho. Por isso, e tendo em mente que a seriedade da pandemia levará governantes e governados a preferir os erros por excesso de zelo que por falta dele, é preciso ter bem claros quais são os limites que convém não cruzar. Houve uma certa naturalidade com que governadores e prefeitos adotaram os bloqueios e toques de recolher, e com que eles foram aceitos por parte da população. Pode-se compreender a reação num primeiro momento, mas é preciso também estar atento ao risco de que restrições fortes como as que estão sendo imposta se tornem cada vez mais frequentes por motivos cada vez mais triviais. Por isso, ado o impacto inicial, agora é preciso enfrentar o tema de forma desapaixonada e avaliar a adequação das medidas para não deixar portas abertas ao arbítrio.

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