Como já afirmamos em outras ocasiões, quando se trata do coronavírus quase tudo é incerto, desde possíveis terapias até o melhor modelo de isolamento ou quarentena para achatar a curva de contágio sem deprimir desnecessariamente a economia. Além disso, há uma corrida mundial por insumos e equipamentos para o socorro aos doentes. Chefes do Poder Executivo nos estados e municípios, bem como secretários de Saúde e suas equipes, têm uma série de decisões complicadas a tomar. O que dizer, por exemplo, de um gestor que paga um pouco mais por respiradores porque pretende, com isso, garantir prioridade na entrega? E de um prefeito ou governador que, ao perceber que o surto parece estar controlado em seu estado ou município, decidiu pela reabertura gradual dos negócios, mas viu o número de casos voltar a subir? Se agiram guiados unicamente pela urgência de incrementar sua rede hospitalar, ou pelo desejo de mitigar os efeitos econômicos da pandemia, eles deveriam ser responsabilizados?

Pois a MP 966 vem para dar alguma segurança a esses gestores, ainda que suas decisões tenham gerado resultados indesejados. Não se pretende, aqui, blindar nem a intenção fraudulenta, nem mesmo a ação obstinada de um gestor que tem informações suficientes para desencorajá-lo quanto a certa providência – aqui se encaixaria perfeitamente a definição de “erro grosseiro” presente na MP. Em todos os outros casos, em que há reta intenção de fazer o melhor pela sociedade, o governante não pode acabar dominado pela inércia, convencido de que a melhor forma de não ficar sujeito a um processo por improbidade istrativa é não fazer nada – esperando, talvez, uma ordem judicial para fazer determinada aquisição ou tomar determinada atitude, tirando-lhe a responsabilidade das costas.

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A pandemia exige respostas rápidas, e os bons gestores precisam de respaldo legal para agir com a coragem e presteza que o momento pede, sem correrem o risco de serem equiparados aos corruptos ou aos negligentes. Felizmente, o ministro Luís Roberto Barroso, relator no Supremo das ações que questionam a MP 966, teve essa mesma compreensão, votando pela constitucionalidade do texto. No entanto, seu acerto para aí; sempre imbuído da tentação de intrometer-se na seara do Legislativo, resolveu incrementar o conceito de “erro grosseiro”, qualificando-o como “o ato istrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente, equilibrado por inobservância das normas e critérios científicos e técnicos”.

Por trás da redação aparentemente sensata esconde-se uma total subordinação das considerações políticas ao tecnicismo cientificista guiado por “organizações e entidades médicas e sanitárias internacional e nacionalmente reconhecidas”. Uma determinação desastrosa, pois não se trata apenas de entregar soberania, mas de fazê-lo por meio da submissão a entidades que já erraram grotescamente no caso da pandemia, e em temas nos quais, como já lembramos, nem sequer existe consenso a respeito dos melhores caminhos a tomar. Este absurdo, no entanto, acabou endossado pela maioria do plenário.

A MP 966 tem lá suas fraquezas na redação, como o emprego do termo “agente público”, muito mais amplo que apenas os gestores que aparentemente são aqueles a quem a regra se destina; mas nem de longe tem as intenções que lhe foram atribuídas. Quem a está efetivamente estragando é o ativismo judicial do STF, que subordina o gestor público a um suposto consenso científico inexistente, substituindo uma insegurança jurídica, aquela do “apagão das canetas”, por outra, impondo-lhe uma obediência cega a “consensos” que estão em mudança constante.

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