A concepção do teto de gastos é uma ideia inteligente, porém, de pouco efeito prático em nações incapazes de respeitar suas diretrizes. No Brasil, tornou-se um modelo sem credibilidade, descumprido várias vezes, estourado em quase R$ 800 bilhões. Estamos, assim, além de uma discussão entre fiscalistas e desenvolvimentistas ou mesmo entre uma falsa escolha entre responsabilidade fiscal e social. O Brasil, se quiser avançar em agendas importantes, precisa, antes de tudo, encontrar o seu mecanismo de equilíbrio.
Aqueles que acreditam na necessidade de avançarmos a os largos em uma agenda social propositiva culpam a responsabilidade fiscal como o principal obstáculo deste objetivo. Ao mesmo tempo, os chamados fiscalistas creem que somente é possível obter ganho social quando as finanças do governo estão em equilíbrio. Este, entretanto, é um falso debate que se impõe para sociedade brasileira neste momento.
A nova âncora fiscal, para além da regra em si, se tornará essencial para abrir espaço e viabilizar a reforma tributária
É neste ponto que entra a proposta de âncora fiscal do novo governo, que pretende preservar os ganhos de um equilíbrio estável, sem renunciar a políticas sociais e impulsos econômicos em setores estratégicos para a sociedade. A fórmula é de difícil ponderação, porém necessária para um país como o Brasil, que se mostrou incapaz de manter uma política de teto de gastos de forma eficiente ao longo dos últimos anos.
Vale lembrar que a classe política também está longe de concordar com um mecanismo restritivo de gastos, uma vez que faz uso das estruturas e recursos do Estado para irrigar suas bases eleitorais e colher votos a cada ciclo eleitoral. Ao mesmo tempo, o povo também deseja que benesses sejam concedidas e investimentos sejam feitos como forma de enxergar algum retorno do pagamento de seus impostos.
Haddad precisa lidar com o ímpeto expansionista do parlamento, que deseja ampliar gastos, ao mesmo tempo em que precisa fornecer uma resposta ao eleitorado que optou por Lula e deseja maior investimento social, porém, com a responsabilidade de manter as contas do governo minimamente equilibradas. Tudo indica que o caminho pode ser combinar o controle do gasto com o lado da receita e vincular isso à dívida pública.
Isso significa que a nova âncora fiscal deve ser a aplicação do princípio de teto de gastos, com ajustes para a realidade política brasileira. É preciso que o mercado lembre que a gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo conseguiu reduzir fortemente a dívida em relação à receita, entregando a realização de investimentos na mesma medida que equilibrou as contas públicas, ou seja, um caminho possível.
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Ao adotar um limitador de gastos, Lula busca aliar investimento social sem descuidar da política fiscal, afinal de nada adianta um teto de gastos violado constantemente, como ocorreu no governo Bolsonaro. A nova âncora fiscal, para além da regra em si, se tornará essencial para abrir espaço e viabilizar a reforma tributária, uma vez que ambas precisam andar de mãos dadas e são essenciais para o Brasil.
Cada nação precisa encontrar o seu próprio mecanismo de equilíbrio, que esteja de acordo com os valores de sua sociedade. O teto de gastos, apesar de ser um modelo inteligente, encontrou pouca aderência em nosso país. É possível que a âncora fiscal seja aquilo que o país busca. A partir de agora, seu êxito confunde-se com o sucesso de nossa economia.
Márcio Coimbra é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB). Cientista Político, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.