Sem cortinas, em um mundo de informação instantânea, a política não mais dispõe de tempo para retardar fatos inconvenientes; a pressão é imediata e os danos, automáticos, podendo, em questão de instantes, levantar um maremoto de indignação popular. No tabuleiro do presente, o advento das redes sociais recriou uma assistemática forma de participação democrática direta; aqueles que pareciam não ter voz tiveram o a um meio fácil e livre para o exercício da crítica política. Aliás, não se trata de mera crítica escrita, mas de uma expressão que permite o uso da própria voz com gravação de imagens, em cores e alta resolução, revolucionando, difusa e tantas vezes confusa, os instrumentos de pressão sobre a política constituída.
No caso brasileiro, uma classe política frágil e desguarnecida pela erosão partidária ficou ainda mais exposta a dramas, insuficiências e inconstitucionalidades. A decadência do universo político – essencial à democracia – gerou a ascensão da litigiosidade constitucional, outorgando ao Supremo Tribunal Federal poderes que, originariamente, não seriam seus. Como num e de mágica, uma suprema caneta monocrática ou a valer mais que maiorias absolutas conquistadas democraticamente no Parlamento, rompendo-se com extensa tradição de primazia austera às decisões emanadas de órgãos políticos competentes.
É lógico que o Congresso e o Executivo, no desempenho de suas funções, não podem tudo. Faz mais de dois séculos, a partir da luminosa construção de Marshall, que o mundo civilizado conhece a possibilidade de declaração judicial de inconstitucionalidade das leis e atos de poder. O traço de novidade é a atual hipertrofia superlativa da Suprema Corte, abarcando para si questões do ordinário da vida. Ora, isso não é bom e não tem como terminar bem. Exaltando sua sabedoria invulgar, a inteligência de Paulo Brossard bem expôs que “cada poder, em verdade, tem um setor que é seu e, que, por isso, é indevassável”. Ou seja, sentenças judiciais não resolvem problemas políticos, quando, não raro, os faz agravar.
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Na complexa equação dos acontecimentos, o cenário da eleição presidencial é sintomático da nossa democracia. Por motivos políticos desencontrados, nenhuma alternativa superior surgiu no horizonte da nação. E não se diga que não houve tempo; tempo havia, mas as lideranças capazes e competentes, salvo exceções pontuais, repousam no comodismo da apatia. Assim, perdida entre polos agudos, a razão democrática poderá ser chamada ao dilema das escolhas trágicas. Sobre isso, com larga experiência nos difíceis domínios do poder, a sabedoria de Henry Kissinger ensina que há situações de extraordinária ambiguidade que impõem ao “state man” o dever de encontrar a vontade de agir e correr riscos em situações que apenas permite “choice among devils”.
Eis, aí, o paradoxo trágico que a democracia pode impor aos cidadãos: uma eleição entre candidatos péssimos, sem boas opções competitivas razoáveis.
O que fazer, então? Simplesmente desistir e não ir votar? Tal fenômeno – como bem revelam a última eleição chilena e o recente pleito colombiano – está longe de ser desprezível, sublinhando profundo desinteresse popular no exercício cívico do voto. Estruturalmente, a falência moral dos partidos políticos é um tumor violento à saúde da democracia, mas, civicamente, é preciso ir além da indignação em redes sociais. Enquanto os cidadãos mais capazes e preparados abdicarem do dever de colaborar efetivamente com a vida pública responsável, seguiremos a viver sob o império dos medíocres. Aqui, importante notar: mediocridade faz mal à democracia.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.