Desde o governo Sarney (1985-1990), o Brasil vem ampliando seus programas de transferência de renda, mecanismos que usam recursos de tributos e os transferem para determinadas faixas da população. Antes dessa época, o país já vinha adotando algum programa de transferência de renda, a exemplo do salário-família e a aposentadoria do trabalhador rural. Porém, no governo Sarney ficou famoso o programa de distribuição de leite e, a partir daí, esse assunto ganhou mais espaço no debate político e econômico.
Em nome de uma boa ação, o governo criou um programa complicado, logística distributiva difícil, burocracia cara e vulnerável à corrupção. O ministro do Planejamento da época, Anibal Teixeira, dizia que, para dar um litro de leite ao pobre, o governo gastava cinco litros. Um gigantesco desperdício. Em 1993, no governo Itamar Franco, foi criado o BPC (Benefício de Prestação Continuada), para pessoas com deficiência e idosos sem condições de manterem a si mesmos.
No governo Fernando Henrique, foram implantados adicionalmente o Bolsa-Escola, o Vale-Gás e o Cartão-Alimentação, que viriam a ser unificados pelo governo Lula no programa Bolsa-Família, que continua, junto com o BPC, o Salário-Família, o Abono Salarial, o Seguro-Desemprego (que vem desde 1990) e a dedução por dependente no Imposto de Renda.
Esse conjunto de programas têm custo istrativo elevado, vulnerabilidade a fraudes, brechas para a corrupção e, sobretudo, uma grande injustiça, no caso específico de crianças: enquanto filhos de famílias ricas e/ou de renda alta recebem benefícios (no mínimo, os ricos têm dedução por dependente no Imposto de Renda), há 17 milhões de crianças que não recebem nada.
A Bolsa-Criança é um benefício do programa de mesmo nome que unificaria todos os benefícios hoje pagos às crianças
O Brasil tem 50 milhões de crianças na faixa de zero a 18 anos, entre elas há 17 milhões que não recebem nenhum benefício (porque não se enquadram em nenhum dos programas sociais), entre as quais 8,5 milhões estão em famílias classificadas nos 30% mais pobres da população. Por isso, o próprio Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que está na hora de o Brasil corrigir essas injustiças, e uma das ideias é criar o programa “Bolsa-Criança”.
A Bolsa-Criança é um benefício do programa de mesmo nome que unificaria todos os benefícios hoje pagos às crianças, mas com uma característica nova: o benefício seria universal para as 50 milhões de crianças de zero até 18 anos, sem distinção. Ou seja, e aqui vai minha proposta, cada criança brasileira de 0 a 18 anos a a receber R$ 60,00 por mês, ou seja, R$ 720,00/ano. Esse valor se destina a unificar o Salário-Família, o Bolsa-Família (a parte das crianças, e fica mantida a Bolsa-Família de quem tem mais de 18 anos) e a dedução por dependente no Imposto de Renda.
A vantagem desse (ou dessa) Bolsa-Criança é a total simplicidade. É um programa fácil de istrar, não depende de controle sobre renda e emprego da família, não dá margem à corrupção, tudo por uma só razão: todas as 50 milhões de crianças receberão a Bolsa-Criança, seja filho de um mendigo ou de um ricaço. É na simplicidade que reside o mérito do programa. Alguém vai objetar: “como vamos dar dinheiro para os filhos dos ricos?”.
Primeiro, o país já dá benefício para os ricos no direito de deduzir um valor por dependente no Imposto de Renda (em torno de R$ 52,00/mês). Segundo, se o governo tiver que controlar quem tem emprego e quem não tem, quem estava desempregado e não está mais, quem era pobre e hoje não é mais, quem é pobre e quem é rico, e ficar atualizando cadastros todos os dias, os custos burocráticos serão imensos e as fraudes e a corrupção vão pipocar aos montes.
Em terceiro lugar, o benefício universal vai cobrir todas as 50 milhões de crianças, entre elas, aquelas 8,5 milhões cujas famílias estão entre os 30% mais pobres da população e não têm Bolsa-Família, nem Salário-Família e não se beneficiam da dedução por dependente no Imposto de Renda porque os pais estão abaixo da faixa de tributação.
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Além do mérito de ser simples, custo de operação baixo, imune a fraudes e corrupção, o programa Bolsa-Criança gera um gasto adicional para o governo federal de R$ 10 bilhões/ano apenas (valor pequeno no orçamento nacional), já que unifica os benefícios atualmente existentes, conforme dito. No começo de outubro/2019, fiz comentário na Rádio CBN Curitiba falando dessa proposta e, no fim da primeira quinzena desse mesmo mês, vi com boa surpresa o resultado do Prêmio Nobel de Economia 2019.
O Nobel de Economia (na prática pago pelo Banco Central da Suíça, desde 1969) foi concedido a três economistas: Abhijit Banerjee (nascido na Índia), Esther Duflo e Michael Kremer, todos dos Estados Unidos, por suas pesquisas sobre políticas de combate à pobreza. Além de defenderem a necessidade desse tipo de política, eles descobriram fórmulas e meios de melhorar a capacidade e a eficiência das políticas e das práticas dos programas destinados a reduzir a pobreza no mundo. Estou convicto de que um programa Bolsa-Criança, universal para os 50 milhões de brasileiros de zero a 18 anos, é necessário, defensável e permitirá que todos os bebês de famílias muito pobres tenham no mínimo o que comer.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.