Esse cenário tem reflexos na própria atuação dos órgãos de controle da istração pública. Muitas vezes, acaba por se criar uma espécie de assimetria de forças entre controladores e gestores, em que os primeiros fundamentam sua atuação nessa desconfiança – resultante da alta percepção à corrupção – enquanto aos últimos resta tentar provar, quando for o caso, sua boa-fé no exercício da função pública.

Não se pode obviamente menosprezar, muito menos durante as eleições, os efeitos da corrupção. Muito pelo contrário. Em uma nação com níveis alarmantes de desigualdade como o Brasil, ela ainda é mais cruel, impossibilitando aos mais pobres terem o a serviços públicos de qualidade.

A melhoria do setor público brasileiro e o próprio combate efetivo à corrupção am obrigatoriamente pelo fortalecimento da gestão e uma ressignificação de sua relação com o controle público.

Justamente por isso também é necessário fortalecer as regras do jogo político e as instituições de controle, aprimorando sua atuação e diminuindo as oportunidades para que gestores mal-intencionados possam se beneficiar indevidamente do dinheiro público. Também é preciso fortalecer a transparência e garantir o o a informações públicas, de modo a permitir que a sociedade se consolide como um ator relevante, monitorando a atuação dos gestores e a forma pela qual o recurso proveniente dos impostos é utilizado.

Sendo assim, o controle adequado é essencial à boa gestão, porém, seja ele interno ou externo, quando aplicado de forma exagerada e desproporcional sobre o gestor público de boa-fé, traz como resultado direto, no mínimo, três fatores prejudiciais à eficiência istrativa.

Em primeiro lugar, tem crescido nos órgãos públicos o fenômeno conhecido como o “apagão das canetas”. Ninguém quer decidir ou inovar com medo de ter sua decisão contestada no futuro e vir a sofrer as consequências disso. Outro ponto importante é o afastamento de bons quadros e de gente honesta dos cargos de chefia e de confiança devido ao medo de eventuais responsabilizações por atos praticados, abrindo espaço para oportunistas de plantão – esses sim destemidos, justamente pelo fato de não terem nada a perder.

Por fim, a terceira e não menos danosa consequência é uma tendência de gestores arem a decidir não conforme o que consideram a melhor para atender ao interesse público, mas pelo que acham que o controle julgará ser o mais adequado. É o gestor decidindo não em acordo com a boa técnica ou com informações qualificadas, mas com a cabeça do controlador.

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De certo modo, as alterações ocorridas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e, mais recentemente, na Lei de Improbidade istrativa, assim como os mecanismos istrativos, como é o caso dos termos de ajustamento de gestão, refletiram o desconforto existente, na medida em que estabeleceram, por exemplo, do dolo e do erro grosseiro como elementos subjetivos necessários à responsabilização pessoal do agente público.

Ou seja, parece bem claro que essa preocupação, além do Poder Legislativo, também chegou a muitos dos órgãos de controle, o que pode ser um bom sinal, mas ainda é pouco. É preciso restabelecer o protagonismo que cabe à gestão pública e delimitar o papel do controle. Cada um dentro do papel institucional que lhe cabe.

Além disso, é necessário aprimorar a própria ação do controle para enfocar a prevenção e torná-la cada vez mais capaz de separar o joio do trigo. E as eleições são um bom momento para conhecer e propor formas de melhorar os mecanismos de combate à corrupção. Ou seja, buscar dar ao controle a capacidade de detectar e punir severamente os que desviam recursos públicos para que a impunidade se torne um incentivo a tais práticas, e tratar com a devida cautela gestores que eventualmente cometem erros não intencionais e inerentes ao processo decisório, para os quais, muitas vezes, uma simples orientação ou recomendação pode ser o melhor caminho.

Em outras palavras, jogar em um mesmo balaio corruptos e gestores públicos de boa-fé que eventualmente cometem falhas não dolosas só serve para atender ao interesse dos primeiros, tão acostumados a se beneficiar impunemente da corrupção.

Não se quer aqui defender que gestores que falham não sejam punidos. Em certos casos, mesmo os erros não intencionais, diante de sua gravidade, demandam a devida atividade disciplinar. O que se precisa evitar são eventuais punições desproporcionais a erros que muitas vezes são inerentes ao processo decisório, àqueles que não produzem grandes prejuízos e que dos quais não decorre qualquer benefício pessoal aos envolvidos ou lesão grave ao interesse público.

O necessário fortalecimento do controle e, por conseguinte, dos mecanismos de combate à corrupção precisam ser ajustados, calibrados e repensados para que não se transformem em um obstáculo a uma gestão pública eficiente, transparente, inovadora e atenta às demandas sociais. A melhoria do setor público brasileiro e o próprio combate efetivo à corrupção am obrigatoriamente pelo fortalecimento da gestão e uma ressignificação de sua relação com o controle público. E esse tema precisa fazer parte do debate político. Especialmente durante as eleições, precisamos fortalecer o debate sobre corrupção.

Mário Spinelli é professor da Escola de istração de Empresa de São Paulo da FGV, doutor em istração Pública e Governo e atual diretor executivo de Compliance Regulatório na ICTS Protiviti. Foi ouvidor-geral da Petrobras, controlador-geral do município de São Paulo e controlador-geral de Minas Gerais.