Aplicável a todas as escolas públicas e privadas do país, entrouem vigor a Lei 14.533, de 11 de janeiro de 2023, sancionada pelo presidente Lula e aprovada pelo Congresso Nacional no ano ado. A nova lei, denominada de Política Nacional de Educação Digital (PNED), alterou o art.4º da LDB e tem o nobilíssimo propósito de garantir a educação digital a crianças, jovens e adultos, em todas as instituições de educação básica e de ensino superior, para que desenvolvam competências digitais, com ênfase ao letramento digital e informacional, ao pensamento computacional, à cultura digital, aos direitos digitais, à aprendizagem de computação, de programação, de robótica, entre outros.

A PNED dependerá de regulamentação pelos órgãos normativos dos sistemas estaduais e municipais de ensino, tendo como escopo a implementação de ações que atendam a quatro eixos: inclusão digital, educação digital escolar, capacitação e especialização digital, e pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias da informação e comunicação (TICs). Para cada eixo, a PNED estabeleceu um conjunto de estratégias e objetivos a serem alcançados pelos governos, sistemas de ensino e pelas escolas.

Não há solução mágica nem perfeita, mas todos os esforços devem ser envidados para buscar o melhor caminho possível para que crianças e jovens tenham preparação adequada.

Para fins de mensuração do cumprimento de cada um desses eixos, o governo federal definirá um sistema de medição a ser operacionalizado pelo INEP, com a previsão de metas, avaliação e indicadores. As principais fontes financeiras para a implementação da nova política, no setor público, serão as dotações orçamentárias dos entes federados e os valores que forem depositados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e no Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). Destarte, há recursos adicionais para aprimorarasinfraestruturas de TIe as conexões de internet nos prédios escolares.

Após 20 anos, a Lei 14.533/2023 alinhou a educação brasileira à Declaração de Princípios de Genebra, publicada pela ONU em 2003. Com o estabelecimento da PNED, o Estado brasileiro reconheceu, ainda que com irrecuperável atraso, a necessidade de preencher a distância existente entre as competências digitais dos jovens e adultos brasileiros e as exigências da cada vez mais célere transformação digital, pervasiva e presente em todos os setores da vida, no exercício da cidadania e no mundo do trabalho. Muitos são os países que já adotaram planos de ação para a educação digital, como, por exemplo, a União Europeia, que já no ano de 2013 lançou o DigComp (Quadro Europeu de Referência para a Competência Digital), um guia para legisladores, educadores e indivíduos na compreensão e desenvolvimento as competências digitais no continente, ando por atualizações a cada dois anos. Ademais, no início de 2021 a UE também lançou a "Década Digital", estabelecendo um percurso para a transformação digital dos países membros até 2030: 80% da população deverá possuir competência digital básica.

Destaca-se, ainda, que a Lei 14533/2023 foi sancionada e publicada com três vetos do governo federal, um dos quaisnão permitiu a inclusão do § 11º, no art. 26 da LDB, que atribuía à educação digital a natureza de componente curricular para o ensino fundamental e para o ensino médio. Atualmente, a BNCC trata a educação digital de maneira transversal, permeando-a em todos os componentes curriculares. Muitos países adotam esse modelo transversal, mas há países que, além da transversalidade, optam pelo modelo de componente curricular e com carga horária específica. O fundamento do veto federal considerou que novos componentes curriculares só poderão ser criados se aprovados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologados pelo Ministério da Educação.

Se mantido o veto, o vigor da transformação digital (em todas as áreas da vida humana), a relevância e a necessidade premente de se dotar crianças e jovens de competências digitais sugerem ao CNE a análise detida sobre a conveniência de aprovar a educação digitalcomo um componente curricular autônomo, com simultâneo estímulo à transversalidade. Certamente não há solução mágica nem perfeita, mas todos os esforços devem ser envidados para buscar o melhor caminho possível para que crianças e jovens tenham preparação adequada para enfrentar não apenas os desafios já postos, mas também os vindouros, numa era de céleres transformações disruptivas.

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Se algumas de nossas escolas já estão navegando na Educação 4.0 – alinhada às demandas e tecnologias da Indústria 4.0, como inteligência artificial, robótica, programação, espaços maker, gamificação do ensino –, no outro extremo temos escolas cuja única “revolução” se limita a ar do quadro de giz para a lousa branca – que em tom jocoso se diz Educação 2.0. Por sua extensão e complexidade, é muito difícil acompanhar tantas transformações sem o estímulo da escola. E mais arrasadora será a disparidade com o exponencial desenvolvimento da Inteligência Artificial, que hoje já não é maisum bebê nem ficção, mas sim uma realidade, com muitos novos – e às vezes assustadores – marcos na eminência de serem alcançados.

Evidentemente, transformar essa realidade das escolas demanda uma política consistente de curto, médio e longo prazo, uma intensa capacitação de professores e gestores – estes muitas vezes ironicamente vítimas da mesma falta de preparo digital agora incumbidos de solucionar –, bem como investimentos significativos para que, durante o percurso escolar, todos os alunos desenvolvam a fluência digital, uma das mais importantes e básicas competências do mundo contemporâneo. Há aspectos que poderão ser planejados sem o reforço na infraestrutura de hardware e software, mas pouco se fará sem o reforço na formação das pessoas que fazem a escola e a educação. E, de uma vez por todas, precisamos de uma mudança cultural que nos permita a humildade de reconhecer que o que deu certo até aqui – se é que deu – não é nem de perto suficiente para preparar esta geração para o futuro que a espera logo ali.

Jacir J. Venturié, vice-presidente do Conselho Estadual de Educação, foi coordenador na Universidade Positivo, professor da UFPR e PUR e diretor de escolas públicas e privadas; Dâmares Ferreira é graduada em Direito pela UEM, possui mestrado e doutorado em Direito pela PUC/SP e atua na área educacional.