É notável que os indígenas já tinham assegurados direitos importantes. Mas o diabo está nos detalhes. De que valiam esses direitos se os indígenas não tinham o direto à Justiça, sob o pretexto absurdo de que eram tutelados? Ao longo da década de 1970, Dalmo já havia protestado que o Código Civil havia instituído a capacidade relativa dos índios como uma proteção negocial, mas que a tutela estava sendo, nos tribunais, interpretada contra eles. Nada mudou, porém.
Para resolver esse obstáculo, Dalmo Dallari veio com uma solução elegantíssima no artigo 232: “Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. Esse artigo não só trouxe o auxílio do MPF, mas mudou da água para o vinho o o dos indígenas à Justiça. Ninguém o contestou na Assembleia Constituinte. De uma só tacada, os indígenas e suas formas de organização, tanto tradicionais quanto inovadoras, tinham capacidade jurídica reconhecida, e não precisavam de nenhum CNPJ. Esse foi um dos argumentos que permitiu à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ser legitimada como autora, no STF, da notável ADPF 709, de 2020, que procurou defender os povos tradicionais da Covid-19.
Dalmo deixou, sem alarde, um enorme legado aos povos indígenas.
Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Comissão Arns.