A busca de abertura como solução de choque, adotada como novo modelo, que não permitiu ou ao menos adiou a virulência das guerras intensas, mostrou-se providencial. Basta lembrar, como tristemente constatamos em seguida, o que aconteceu na implodida e massacrada Iugoslávia. Ao evitar banho de sangue imediato ao fim da URSS, também Gorbie foi irável.

Se por um lado, como gestor da ruína, Mikhail Gorbachev foi responsabilizado por ultranacionalistas por toda a derrocada da ex-União Soviética – e até pelos muros que se dissolviam no ar – por outro, foi reconhecido na prevenção de tragédias imensuráveis, ao agir no controle de arsenais atômicos das sub potências que restavam do colapso socialista.

O fim de século que se viveu, no rescaldo da Guerra Fria e no apaziguamento das viúvas da Cortina de Ferro, levará nome e sobrenome. Também no que concerne à revalorização da aura russa no ocidente, como “constructo” de um possível pertencimento comum pelo compartilhar cultural, que o premiê sorridente acabou por refazer despertar.

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Nesse sentido, era o líder culto, educado e confiável a resgatar o quê russo da alma clássica, tão marcante também no ocidente, seja pela seja literatura imortal de Tolstói, Dostoiévski, Tchekhov, seja pela música indelével de Tchaikovsky, Rachmaninov ou Stravinsky.

Eric Hobsbawm, o historiador da Guerra Fria por excelência, resumiu de forma singela o perfil de Mikhail Gorbachev, como um dos homens essenciais de seu e de todos os outros tempos. “Íntegro e notoriamente bonachão, suas ações foram marcantes. Como secretário-geral do Partido Comunista Soviético, a partir de 1985, suas escolhas condicionaram a estabilidade regional e a ordem internacional. Ser seu contemporâneo é um privilégio. A humanidade sempre estará em dívida com ele”, escreveu o historiador.

Jorge Fontoura é professor e advogado.