transmite certa paz ao espectador sensato. A paz de perceber que, por ser incapaz de fugir ao pensamento simplista e maniqueísta para o qual a ação humana é determinada por vilões e heróis muito bem delimitados, por não conseguir compreender a menor das nuanças e insistir em ver o mundo como uma luta entre opressores e oprimidos, a esquerda se mostra inapta a aprender com os erros e, por consequência, a reconstruir um ideal que um dia os possa levar de volta ao poder.

Por fim, o terceiro lado bom de se ar duas horas diante da televisão assistindo a Democracia em Vertigem é que o documentário é capaz de exercitar o combalido músculo da compaixão – naqueles que ainda o têm, claro. Não, não estou sendo irônico. O maior mérito do filme é, de fato, substituir no espectador a onipresente e pervasiva raiva por uma sincera compaixão.

Porque Petra Costa, com sua narrativa cheia de lugares-comuns, delírios conspiratórios e pieguice, acaba por explicar como nasce e se desenvolve e se consolida a mente petista-revolucionária. E é um processo inquestionavelmente duro e sofrido, por mais que se tenha apartamentos em Paris e por mais que se receba uma bela mesada pela iniciativa capitalista bem-sucedida do vovô.

O processo todo começa com boas intenções catalisadas por uma ou mais tragédias. No caso de Petra, essa combinação estava nos pais, guerrilheiros marxistas que viram seus mentores serem assassinados pela ditadura. Dessa mistura nasceu a menina já com a estrela vermelha no peito, fadada ao romantismo da causa operária, inabalável em seu bom-mocismo, por mais que paredões e Mensalões provassem o contrário.

Me compadeço, sim. Porque, em Democracia em Vertigem, fica claro que Petra Costa não teve escolha. Muito antes de as redes sociais darem origem a uma legião de zumbis viciados em política, os pais da cineasta já arriscavam a vida em nome dessa coisa intangível e demoníaca, o que, evidentemente, corrompeu para sempre a visão que ela tinha de liberdade. Ela só pôde seguir os os de seus genitores e acreditar na santidade de um líder popular – a realização de um ideal aprendido nos melhores bancos escolares, com os piores professores.

E este é o verdadeiro drama do documentário. Democracia em Vertigem talvez pretenda, como andei lendo por aí, consolidar uma narrativa mentirosa e até mesmo santificar um líder corrupto. Sem querer, contudo, o filme mostra toda uma geração corrompida por pais, professores e líderes inescrupulosos, levada a acreditar na superioridade do coletivo sobre o indivíduo, do material sobre o espiritual, da igualdade sobre a diferença, etc. Uma geração para a qual a realidade tem que se adaptar a uma história oblíqua contada por uma narradora de voz tão infantil quanto sua percepção de mundo a fim de que nessa realidade se encaixem seus sonhos e frustrações.

Uma geração verdadeiramente perdida.

VEJA TAMBÉM:

Use este espaço apenas para a comunicação de erros