Parece que eles têm uma vida perfeita? Apenas parece. Logo recebem a notícia de que a mãe — que voltara à cidade a fim de tratar de problemas psicológicos — dera fim à própria vida. O suicídio materno dramatiza que o isolamento na natureza não cura todas as dores: depressão, ansiedade, vazio existencial. O filósofo Eric Voegelin expõe muito bem este drama: “A tentativa de encontrar a paz somente pelo refúgio na solidão do mar ou das montanhas é uma fantasia vulgar, porque o único refúgio possível e eficaz é o refúgio na intimidade da alma bem-ordenada.”

Eis que a família precisa retornar à civilização e, rumo ao velório da mãe, os filhos mensuram o quão estão deslocados da vida real. Eles sabem falar dos clássicos e sobreviver nas florestas, mas nada entendem das diferenças humanas e ambiguidades da sociedade. Por exemplo: o filho mais velho — Bodevan — apaixona-se, porém desconhece como abordar uma mulher. Ele fala com aquela que deseja como se fosse o Príncipe diante da Princesa. Pede-lhe em casamento, logo após o primeiro beijo, com declarações quixotescas.

O filho precisava adequar os seus ideais familiares, inculcados pelo pai, com a sua experiência social, o que só seria possível através do contato com outras pessoas. A socialização e experimentação do novo serve para nos libertar do hábito pueril de julgar como imediatamente inferior o modelo de vida que é diferente do nosso. Por mais que exista uma filosofia superior, a suspensão provisória do juízo é fundamental para nos libertar do provincialismo – a estreiteza de espírito resultante da falta de contato com outras formas de pensamento – e para avaliar não só o que você pensa dos outros, como o que eles pensam de você. A agitação do mundo forma o caráter humano.

Ética da intenção

No entanto, s à convivência com o pai, os filhos nunca tiveram a oportunidade de perceber que foram educados segundo a ética da intenção, em vez da ética da responsabilidade. Este é o conceito do sociólogo Max Weber que fundamenta a moralidade revolucionária, a qual justifica os seus maus atos pela nobreza da intenção. Por exemplo: a revolução sa guilhotinou uma multidão sem pudor e justificou estas mortes pelos princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. O mesmo faz Ben ao pedir que os filhos furtem alimentos do supermercado, justificando o assalto à maneira de Márcia Tiburi: “Os capitalistas continuarão a enriquecer vendendo as suas mercadorias, por que não fazer uma reparação histórica?”

É terrível como estes homens idealizam a malandragem, o vício e o crime. Pensam que os bandidos são essencialmente bons ou, pelo menos, vítimas da sociedade, enquanto a polícia é essencialmente má ou, pelo menos, opressora pelo Estado. No filme, estes ideais só são questionados quando as crianças encontram o avô materno. Este mostra como a educação anárquica de Ben está transformando os filhos em militantes capazes de justificar o roubo, arriscar a própria vida nos perigos da floresta, e ar a existência sem conhecer outras pessoas. O pai reavalia a sua conduta quando vê uma das filhas — Vespyr — cair do telhado na ocasião de uma de suas “missões”, o que lhe poderia ter custado os movimentos da perna.

Depois do acidente, a família volta à civilização, mediante uma adequação parcial. Pois a mensagem do filme não é a de que há coisas boas no liberalismo, e sim a de que o militante não deve permanecer isolado. Ele precisa mudar o sistema desde o interior do próprio sistema, o que é menos arriscado e mais integrativo. Assim os seus ideais nobres, jamais questionados, não colocarão em risco a sua própria vida, nem se limitarão à família. Eis que o filho, radicalmente mais inteligente e forte do que todos os liberais, vai à universidade e todos os telespectadores escutam: “Poder para o povo, desafie as regras!”

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