A parte mais chocante do filme são as “terapias alternativas” para autismo que ocorrem entre os antivax. A pior delas é chamada por um de seus fabricantes de “Solução Mineral Milagrosa”. Na verdade, é uma solução de água sanitária. Esses pais istram água sanitária para suas crianças por via oral ou anal. Em contato com a mucosa, a água sanitária a transforma em sabão. A criança então expele tecido morto da luz intestinal, que é tratado como um sinal de que a criança está sendo purgada das toxinas das vacinas e curada do autismo. Sem dúvida, uma grande ignorância e preconceito contra o espectro do autismo acompanha essas intervenções e a crença de que a “culpa” é das vacinas.

Onde o documentário poderia ganhar mais nuance

A Conspiração Antivacina é um ótimo filme para apresentar ao público os perigos do movimento iniciado por Wakefield e da formação de crenças de forma irracional. Famílias são rompidas, vidas são perdidas, recursos são desperdiçados.

Há partes em que o documentário poderia ter sido mais nuançado. Por exemplo, as vacinas tradicionais são tratadas como a mesma coisa que as novas vacinas de mRNA. Mas há um importante debate semântico a respeito disso. Alguns propõem que os produtos de mRNA da Moderna e da Pfizer não são vacinas, mas terapia gênica.

Nenhuma das duas coisas é óbvia à primeira vista. Já que vacina consiste em apresentar uma versão enfraquecida do patógeno ao sistema imune, apresentar uma única molécula do patógeno pode ser essa versão enfraquecida, então esses produtos seriam vacinas. Mas essa molécula, a proteína S, não é apresentada diretamente, mas fabricada pelas nossas próprias células a partir da instrução do mRNA, o que lembra algum tipo de terapia gênica. Há alguma plausibilidade aí, mas poderia ser forçada.

A função de uma terapia gênica é prover alívio para alguma insuficiência provocada por mutações ou outros defeitos genéticos. Pode ser que se desenvolva terapia gênica cujo tratamento é istração do mRNA, mas isso seria um subconjunto. Haveria terapia gênica de outros tipos: baseada em iRNA (RNA de interferência), por exemplo, e baseada em modificar o DNA, o que não é o caso dos produtos da Pfizer e da Moderna. Então chamá-los de terapia gênica é como chamar cidade de vila: às vezes é, às vezes não é.

Mais importante que a semântica é o fato de que ainda estão em aberto questões a respeito das vacinas de mRNA como a miocardite em homens jovens, que ainda não podemos afirmar com certeza se é mesmo menos preocupante que a própria COVID-19. Se alguns espectadores interpretarem o documentário como se endossasse que toda preocupação com efeitos colaterais é igual ao dogmatismo inconsequente do Wakefield, isso seria um problema.

O documentário não faz esforço em dissipar essa má interpretação, e não traça distinção entre preocupações liberais legítimas com o autoritarismo sanitário e o movimento antivacinas. O único que parece preocupado com liberdade no documentário é Wakefield, falando por um telão na Trafalgar Square em Londres. É preciso mostrar que a defesa da liberdade não é inimiga da vacinação, e nisso o filme falha.

Nos últimos dez minutos, especialmente, o documentário conta que os negros americanos são especialmente propensos a recusar as vacinas e aceitar a mensagem dos antivax por serem uma minoria que desconfia do governo. Como sabem todos os que acompanharam política americana durante a pandemia, um dos maiores responsáveis por inflar essa desconfiança foi o movimento Black Lives Matter e seus apoiadores na academia, na grande mídia e nas artes, que fazem sensacionalismo com casos não representativos de encontros da polícia com a população negra do país para confirmar os dogmas da ideologia identitária.

Não que não haja motivos para desconfiar das autoridades, e, em especial, das farmacêuticas, cuja ficha suja não é tocada no documentário. Nem todas as crenças absurdas dos antivax são completamente destituídas de alguma correspondência longínqua com a realidade. Apesar desses problemas, o documentário vale a pena.

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