“Esse processo de corrosão das faixas é um fenômeno que acontece desde lá atrás, do início do Plano Real”, diz o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ibre). “Com o tempo, você tem incorporado mais gente no IR em razão da defasagem dessas faixas”, explica.

Para Pires, enquanto não é possível avançar em uma reforma tributária mais ampla, é legítimo o governo discutir a redução do peso do IRPF, ainda que em um contexto eleitoral.

“Nos governos anteriores você reajustava pela inflação ou pela meta inflacionária. Ficava um ou outro ano sem reajuste, mas nunca por tanto tempo. Parece que é uma demanda de certa forma inevitável”, avalia o economista. “Existe de fato um aumento de carga tributária principalmente sobre as pessoas mais pobres, então não é um tema que deva ser ignorado mais.”

Proposta de reforma do governo corrigia tabela do Imposto de Renda, mas não avançou

Em 2018, Bolsonaro já havia prometido corrigir a tabela do IRPF, com a elevação da faixa de isenção para até cinco salários mínimos, o equivalente a cerca de R$ 5 mil à época. O governo chegou a encaminhar ao Congresso, em 2021, um projeto de lei (PL 2.337/2021) de reforma do IR que previa, entre outras mudanças, a atualização da tabela do imposto para pessoas físicas.

A faixa de isenção subiria dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil, segundo o texto. Além disso, seria retomada a taxação, de até 20%, sobre lucros e dividendos. Rendimentos de fundos de investimento imobiliário (FII) também ariam a ser tributados em até 15%.

O projeto, no entanto, acabou bastante desidratado durante a tramitação na Câmara e está parado desde setembro no Senado. Em dezembro, o relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Angelo Coronel (PSD-BA), apresentou um projeto em separado, propondo elevar a faixa de isenção para R$ 3,3 mil, mas essa proposição também não avançou.

Um dos entraves para a reforma é a perda de arrecadação, bastante ressaltada por estados e municípios, que recebem parte das receitas. De acordo com a equipe econômica, a atualização da tabela proposta no PL 2.337 geraria uma renúncia de R$ 13,5 bilhões em 2022, R$ 14,46 bilhões em 2023 e R$ 15,44 bilhões em 2024, em valores da época.

Em abril, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que estudava utilizar o excesso de arrecadação do governo para subsidiar a correção da tabela do IRPF. “Conversamos se corrigimos a tabela do IR agora ou se deixamos para primeira ação do novo governo”, disse, durante conferência promovida pelo Bradesco, considerando um cenário de reeleição de Bolsonaro. “Não queremos usar toda a alta de arrecadação de uma vez. Vamos devolver apenas parte para não corrermos riscos fiscais”, explicou.

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Para o economista da FGV, no entanto, boa parte do aumento de receitas da União decorre de fatores conjunturais e que, portanto, não deve se manter em longo prazo. “Conforme a Petrobras vende um petróleo a um preço mais alto, com um câmbio depreciado, o valor em reais aumenta muito, a lucratividade a a ser muito alta e o governo recebe uma quantidade muito grande de dividendos. Além disso, a própria elevação da inflação aumenta a carga tributária de várias formas”, explica.

“Então existe um receio de que quando esse movimento parar, a gente perceba que o crescimento da arrecadação não subiu tanto assim, e que a folga que se imagina que existe hoje não se manifeste de forma tão significativa”, afirma.

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