Além do custo das importações, também pesam a volatilidade no câmbio e o aumento nos fretes. “Vai haver ree, mas o valor vai depender da estratégia adotada pelos moinhos”, diz Barbosa.

O impacto sobre os preços dos derivados de trigo vai variar conforme o produto, aponta a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados (Abimapi).

Segundo a entidade, a elevação do preço do grão se reflete diretamente no custo da produção. Nas massas, em média, 70% é da farinha. Nos biscoitos, 30% e nos pães e bolos industrializados, 60%.

“A disparada da cotação do trigo começa a ser sentida pelos fabricantes nas negociações com os fornecedores, porém existe a entrega de farinha compromissada em contratos antigos. O que se pode afirmar é de que haverá reajustes nas próximas semanas, mas com o horizonte indefinido, já que a cada notícia da guerra, o preço do trigo oscila para cima ou para baixo com valores expressivos”, informa a Abimapi.

A entidade avalia que o consumidor deve começar a sentir os efeitos em breve, quando as novas safras forem sendo compradas. Os estoques nas indústrias são pequenos. “O ree tende a ser gradual, pois não há espaço para elevar os preços de uma só vez.”

Alta de preços pode favorecer aumento da área plantada do trigo no Brasil

Um alento nesse cenário de incerteza é a possibilidade de aumento na área plantada para a próxima safra, diante de um cenário de melhora de rentabilidade projetada. Os analistas do Itaú BBA lembram que o Sul sofreu com a quebra da safra de verão, o que torna o trigo uma interessante fonte geradora de receitas.

Mas, segundo Castro, do Itaú BBA, dois fatores podem complicar esse cenário: um deles é o fenômeno climático La Niña e o outro é o fornecimento de fertilizantes, que foi afetado pela guerra na Ucrânia.

“Ao se analisar o histórico dos valores de mercado e a área destinada para a cultura, há um indicativo de que os produtores respondem quando os preços estão elevados”, diz o superintendente de Inteligência e Gestão da Oferta da Conab, Allan Silveira. “No entanto, os custos de produção em alta podem limitar o aumento esperado”, alerta.

Segundo Barbosa, da Abitrigo, no longo prazo o Brasil poderá se beneficiar da expansão da área destinada ao trigo. Pesquisas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) estudam a viabilidade de plantar o grão no Norte do cerrado e em áreas do Nordeste.

Na última safra, o Brasil teve uma produção nacional recorde de 7,8 milhões de toneladas. Mas, segundo o Cepea, as importações também foram elevadas: 6 milhões de toneladas, principalmente da Argentina. Outros fornecedores, em menor grau, segundo Barbosa são os Estados Unidos, o Paraguai e o Uruguai.

Índia e Austrália podem ajudar na oferta de trigo, mas EUA preocupam

Diante das restrições à produção russa e ucraniana, a expectativa do USDA é de que a União Europeia amplie as exportações de trigo. Outros países que podem ter mais presença no mercado internacional da commodity são a Índia e a Austrália, já que tiveram ótimas colheitas nos últimos anos e têm preços competitivos. Os preços na Austrália são, em média, 16,4% menores dos que os da União Europeia.

Na Índia, a escassez da oferta mundial e os altos preços praticados pelos principais exportadores fizeram com que o trigo local se tornasse competitivo pela primeira vez em vários anos. “Depois de cinco safras recordes e o aumento dos estoques governamentais de trigo, a Índia tem uma ampla oferta para exportação”, destaca o órgão norte-americano.

Segundo Castro, há uma dúvida se estes países vão conseguir compensar a participação da Ucrânia e da Rússia. “O mercado ainda não conseguiu mensurar um preço de equilíbrio para o trigo no cenário global sem a oferta do Mar Negro e tende a continuar precificando um cenário pessimista.”

Mas não foi só a guerra que pressionou os preços para cima, aponta Castro. Os preços também tiveram uma forte alta devido ao clima seco em importantes áreas produtoras nos Estados Unidos, o que tem despertado preocupações sobre a qualidade do produto que será colhido. Os americanos respondem por 11% das exportações globais de trigo.

Segundo a Abitrigo, o mercado global do cereal, nos últimos dois anos, foi fortemente afetado por crises climáticas e pela Covid-19, que impactou o posicionamento de estoques de segurança e de fretes marítimos, cujos valores sofreram aumento de até três vezes. “O mercado visualiza um alongamento da crise”, informa a entidade.

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