Somam-se à lista ainda mudanças previstas na reforma tributária, apoiada pelo governo, como a previsão de alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) e de cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de proprietários de aeronaves e embarcações.
“Se a gente pega com uma lupa um pouco mais abrangente, percebe que o governo, nesse fatiamento da reforma tributária, está buscando tornar menos desigual a tributação de alguns setores, em especial no que diz respeito àqueles que possuem mais recursos e os que possuem menos recursos”, diz Renato Aparecido Gomes, advogado tributarista do Gomes, Almeida e Caldas Advocacia.
A segunda etapa da reforma tratará especificamente da tributação sobre renda, e membros da equipe econômica do governo têm defendido a volta da taxação de lucros e dividendos, isentos desde 1995. Outra medida estudada é a criação de uma nova faixa de incidência do IRPF, para rendas mais elevadas.
O governo defende que essa etapa da reforma aumente a tributação sobre renda para viabilizar uma redução no peso dos impostos sobre a aquisição de bens e serviços. “Do meu ponto de vista, essa reforma deve viabilizar a redução da carga sobre o consumo, o que permitiria uma alíquota de IVA [Imposto sobre Valor Agregado] menor. Tributa mais a renda, diminui o peso sobre o consumo, e o efeito fica neutro sobre a carga tributária total. Tudo com transição para que não seja de um ano para o outro, seja diluído no tempo”, disse Haddad em entrevista recente para o jornal “O Globo”.
Vale ressaltar que a nova distribuição da carga tributária citada pelo ministro dependeria de futuras alterações na legislação. Afinal, a recém-aprovada reforma tributária prometia uma "neutralidade" da carga total sobre o consumo, que idealmente não seria elevada nem reduzida. Não há na nova legislação qualquer compromisso de aliviar a tributação do consumo em caso de aumento na taxação da renda.
Gomes acredita que, ada a segunda etapa da reforma, o país deva discutir a taxação de grandes fortunas. Essa é uma demanda histórica da esquerda, cercada de contestações, inclusive sobre sua eficácia – vários países desenvolvidos que testaram tal tributo desistiram dele na sequência.
A Constituição de 1988 prevê a criação de um imposto sobre grandes fortunas (IGF), mas até hoje o trecho não foi regulamentado. Em 2019, o Psol chegou a protocolar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) no Supremo Tribunal Federal (STF) em razão da falta de instituição do tributo. Com um voto favorável do ex-ministro Marco Aurélio Mello, o julgamento foi suspenso em 2021 após pedido de destaque de Gilmar Mendes.
Não há, no entanto, um consenso em torno do modelo tributário mais adequado para a alta renda em razão dos efeitos que o aumento da carga de impostos pode acarretar.
Há quem defenda a necessidade de se cobrar alíquotas mais elevadas dos mais ricos, aumentando o peso da tributação sobre renda e patrimônio de modo a cobrar mais de quem ganha mais. De outro lado, há os que consideram que taxar quem detém grandes quantias de capital para alocar na economia pode acabar por afastar investimentos no país, prejudicando toda a população.
No ano ado, após o governo publicar a medida provisória (MP) que estabeleceu a taxação de fundos exclusivos, houve reação de alguns setores. Em artigo intitulado “Ser rico não é pecado”, o empresário João Camargo, presidente do conselho do think tank Esfera Brasil, criticou a iniciativa. Citando exemplos de países europeus e da Argentina, ele argumentou que, além de causar a evasão de capital e investimentos do país, impostos sobre a riqueza líquida diminuiriam a arrecadação do governo.
“A taxação dos ‘super-ricos’, defendida como ferramenta de justiça social, acaba resultando, paradoxalmente, em queda de arrecadação e em piora dos indicadores sociais, haja vista que é o investimento do empresariado que gera riqueza, inovação e emprego”, escreveu.
Países como Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Itália, Holanda e Japão chegaram a tributar grandes fortunas mas acabaram recuando da medida depois que milionários residentes buscaram cidadania em outros países a fim de pagar menos impostos.
A tributação de lucros e dividendos também é controversa. O rendimento é isento desde 1995, por força da Lei 9.249. A justificativa para a decisão, à época, foi de que tributar o lucro exclusivamente na empresa, isentando o recebimento pelos beneficiários, tornaria o controle mais simples e inibiria a evasão. Além disso, a isenção estimularia a alocação de recursos por parte das pessoas físicas em atividades produtivas.
Apesar de não haver taxação do valor distribuído a acionistas, o lucro da empresa é tributado em até 34% com IRPJ e CSLL. “Todo o ônus tributário recaindo sobre o lucro corporativo já tributa indiretamente o investidor à razão de 34%”, argumenta Elidie Palma Bifano, advogada e professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), em artigo publicado recentemente na “Folha de S.Paulo”.
Para ela, modificar o quadro atual, aumentando o imposto para a pessoa física, seria “absolutamente destituído de razoabilidade” por abalar-se “o equilíbrio trazido pela lei 9.249/95”.
A mudança, no entanto, foi defendida pelo ex-ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PL), Paulo Guedes, que chegou a encaminhar um projeto de lei que reformava a tributação sobre renda e previa a taxação de dividendos. Mas o texto, aprovado após diversas modificações na Câmara, não avançou no Senado.
Um estudo elaborado por pesquisadores do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da mesma FGV, e do Made/USP, mostra que, apesar da previsão legal de 34% de tributação sobre o lucro corporativo, empresas brasileiras de capital aberto pagam em média 18,1% de alíquota efetiva, pouco mais da metade da taxa nominal e abaixo da média global, de 23,5%.
Segundo a pesquisa, intitulada “A tributação da renda corporativa no Brasil: estimativas da carga tributária efetiva a partir das demonstrações de resultado no período 2012–2022”, a diferença é explicada pela existência de benefícios fiscais e práticas de planejamento tributário, além de evasão fiscal e de decisões judiciais que afetam o recolhimento desses impostos.
Os autores destacam que a diferença entre a alíquota nominal e efetiva cresceu ao longo do período analisado e que há setores que conseguem descontos maiores do que outros, o que cria um grupo de empresas privilegiadas.
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