“Esses gastos podem vir trazendo desconfiança e desconforto sobre o compromisso fiscal do governo no médio prazo, o que já atinge a curva de juros futuros. Nesse cenário de incerteza, as pessoas montam poupança precaucional porque não sabem se os empregos serão mantidos ou não”, diz.

Ela lembra que em 2020 está havendo uma situação rara de descomo: o consumo das famílias caiu, embora a renda tenha aumentado. Dados do Monitor do PIB, do Ibre/FGV, apontam que o consumo das famílias caiu 6,7% no trimestre móvel encerrado em agosto, em comparação ao mesmo trimestre no ano anterior. O resultado negativo é um pouco melhor do que o registrado no segundo trimestre, marcado pelo recuo de 13,5%.

Mas a renda média do brasileiro aumentou. Sondagem especial do Ibre, divulgada em setembro, mostrou que 13,5% dos brasileiros receberam algum tipo de renda extra durante a pandemia. Esse número chega a quase 30% quando se analisa as pessoas com renda mensal de até R$ 2,1 mil, que foram mais beneficiadas pelo auxílio emergencial. O levantamento também levou em consideração verbas do FGTS (saque emergencial ou por demissão), seguro-desemprego e outros.

Embora parte dessa renda extra tenha sido empregada em gastos correntes, isso não implicou em aumento significativo do consumo. De cada R$ 100 extras, só R$ 2,30 foram usados para aquisição de bens como eletrodomésticos, móveis ou ainda roupa e serviços, e R$ 20 foram poupados. Outros R$ 74 foram usados para compras de bens essenciais, dívidas em atraso ou itens do dia a dia.

Para Luana, essa sondagem mostra que até mesmo os mais pobres conseguiram poupar alguma coisa, muito embora esse colchão tenha sido engordado principalmente pela poupança involuntária dos mais abastados. “O crescimento da taxa de poupança foi importante. A grande dúvida é como essa poupança será usada no ano que vem para suavizar essa transição”, afirma.

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Sem segurança, sem consumo

O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, observa que a propensão a poupar do brasileiro não aumentou. Para ele, o aumento da captação líquida da caderneta é resultado de mera transferência de aplicações, e a taxa de poupança merece uma investigação mais aprofundada para determinar o peso da economia das pessoas físicas.

“Provavelmente as pessoas que receberam renda maior conseguiram poupar. Não significa que a propensão a poupar aumentou. A poupança precaucional pode ser positiva, mas eu não comemoraria isso porque as pessoas pouparam auxílio emergencial”, diz.

A questão é que a parcela mais rica, na avaliação de Oliveira, não irá expandir os gastos e, portanto, não contribuirá mais com o consumo. “Aqueles que pouparam auxílio até poderiam sustentar o consumo num patamar não tão baixo, mas a tendência é o consumo diminuir por aumento do desemprego”, observa.

Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos, concorda. Como o brasileiros nunca ou por grandes desastres ou períodos de doença e guerra, não tem a propensão a poupar e acabou fazendo isso “na marra” durante a pandemia da Covid-19. A grande questão é se essa reserva, formada a muito custo, será usada para consumir.

“O grande ponto de discussão para o ano que vem é confiança do consumidor. Será que ele vai ter confiança para se endividar a médio e longo prazo? Acho que o movimento é de se manter mais poupador, estável, e guardar essa reserva, do que usar essa reserva para o consumo”, avalia.

Esse consumo poderá ocorrer se o consumidor sentir confiança no emprego e na renda. Caso contrário, a tendência é de aumento da poupança. “A majoritária procura pelo investimento conservador, que é a caderneta, é reserva de muito curto prazo. Se ele não vai assumir risco para volatizar, ele não vai assumir o risco de gastar essa reservar num curto espaço de tempo porque não tem segurança para gastar, nem para arriscar”, diz.