Quais os riscos para o país
Além de encarecer o custo de vida das famílias, um dos principais efeitos da alta da inflação é aumentar a pressão sobre a taxa básica de juros, a Selic, que serve de referência para grande parte dos empréstimos. Ela está hoje no menor nível da história, mas uma elevação pode frear o impulso da retomada econômica após o pico da pandemia de coronavírus.
O Comitê de Política Monetária (Copom) vai anunciar o próximo patamar da taxa nesta quarta-feira (28). A aposta do mercado é de manutenção nos atuais 2% ao ano, mas as atenções estão mais voltadas para a ata da reunião, que será divulgada na semana que vem e pode trazer uma sinalização de preocupação com a inflação.
A economista do Banco Ourinvest, Cristiana Quartaroli, não considera o quadro inflacionário preocupante, mas reconhece que a divulgação do IPCA-15 acendeu a luz amarela de alerta porque a inflação, que estava mais concentrada no preço dos alimentos, começou a ser reada para os bens duráveis e de alguns serviços.
“Não é para se preocupar, mas a luz amarela acendeu. E, obviamente, de alguma forma isso vai impactar na decisão do Banco Central lá na frente”, disse ela em entrevista coletiva na terça-feira (27) . O Ourinvest projeta que a inflação para 2021 deve ficar em 3,75% e que a Selic chegará a 4% até o fim do ano que vem.
Ainda que esse aumento não possa ser considerado um retorno do fantasma da inflação, a concentração no preço dos alimentos explica a preocupação de muitas famílias e demanda atenção para os rumos do mercado de trabalho.
“Não existe para saída para as famílias de baixa renda, que gastam mais a renda no consumo de alimentos, porque a gente está vendo aumento de arroz, feijão, carne, tomate, açúcar, café... São poucos os itens que você consegue tirar dessa lista, se é que há algum que não esteja subindo de preço”, observa André Braz, do FGV/Ibre.
Para ele, a questão é que a queda da atividade econômica afetou o mercado de trabalho, desempregando muitas pessoas. Ainda com o auxílio emergencial, isso não cria uma pressão de demanda tão forte a ponto de sustentar rees generalizados de preços.
Um exemplo é que algumas áreas do setor de serviços, como turismo e entretenimento, não tiveram alta de preço. Tarifas públicas, como água e energia elétrica, e planos de saúde também não tiveram reajustes neste ano. Isso tudo ajuda a limitar o aumento de preços dos segmentos que compõem o orçamento familiar.
“O que amplia essa sensação de descontrole inflacionário, da volta do dragão da inflação, é o desemprego, porque com renda a família ainda dribla algum aumento de preço, mas sem poder prestar serviços ou estando desempregado, a situação de muitas famílias fica muito ruim. Diante de uma pressão dessas, em cima do que há de mais fundamental para o sustento de uma família, que são os alimentos, a situação piora ainda mais”, observa.
A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, pondera que essa atual pressão inflacionária não é nada perto do que o brasileiro já viveu, mas é um cenário muito mais salgado do que o projetado no início do ano.
O risco dessa subida está relacionado principalmente à cultura inflacionária que o Brasil tem, e o IGP-M em dois dígitos é o exemplo claro disso.
A cautela em olhar para o IPCA, mesmo neste cenário de recessão econômica, tem ligação com o aumento do gasto público e a situação fiscal do país. A economista lembra que o período entre o fim do governo Lula e início da gestão Dilma foi marcado por um excesso do quadro fiscal, que tinha um impulso muito grande, com inflação muito alta e atividade econômica crescendo pouco.
E esse quadro já era mais confortável do que na época da hiperinflação no Brasil, entre as décadas de 1980 e 1990. A combinação de queda no crescimento econômico, alta dívida externa e planos econômicos fracassados levou a inflação disparar – ela chegou a 2.000% em 1989. As soluções da época envolveram tanto congelamento de preços quanto remarcações que ocorriam mais de uma vez por dia, num quadro extremamente difícil para a população. O problema só foi equalizado com o Plano Real, lançado em julho de 1994.
“É um componente de risco na medida que é uma coisa que a gente já experimentou no Brasil, há não tanto tempo atrás. Na verdade, o novo é a ausência de inflação, então a gente tem que dar uma olhada. Gato escaldado tem medo de água fria. É sempre bom ter atenção a isso”, diz.
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