Numa primeira avaliação, os produtores tendem a ficar com um pé atrás em relação a negócios em moeda chinesa. “Se pensar bem, a China é dona de quase tudo. Desde as empresas que compram a produção até as que vendem insumos. É um risco muito grande. Nosso sonho seria a gente mandar no preço, mas isso não acontece. Bem ou mal, nós temos esse mercado sólido, da cotação em dólar, que já existe há muito tempo e que todo mundo confia”, avalia o agricultor Zezé Sismeiro, vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Brasil (Aprosoja). 2w5i25
Nas commodities agrícolas, a força da Bolsa de Chicago, que regula os preços globais de soja e milho, vai além da questão de moeda. “É a praça de referência para saber o equilíbrio de oferta e demanda de grãos no mundo inteiro. Acho positivo que exista essa possibilidade de compensar as transações em moedas locais. Mas para quem lida com commodities, o mais natural é permanecer a transação em dólares. O próprio ativo é precificado e operado em dólar”, avalia Felippe Serigati, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Nem mesmo o analista Sergio Quadros, que é favorável à negociação com yuans, vê ameaças ao sistema apoiado no dólar. “O dólar vai continuar a ser a moeda de negociação com hegemonia por um bom tempo. O yuan entra como mais uma opção para as empresas fazerem seus negócios com a China”, afirma.
Serigati, da FGV, avalia que em relação às commodities há risco de um custo maior ao se operar fora da unidade de medida do próprio produto, que, hoje, ainda é o dólar. Ele vê, contudo, potencial para incrementar negócios em outras trocas comerciais.
“Se for uma máquina ou equipamento, se o Lula vai lá, por exemplo, para fechar contratos de embarcações para papel e celulose, talvez faça mais sentido, porque não há um mercado internacional para isso. Ainda mais se vier associado a uma linha de financiamento. Mas, no caso das commodities, é difícil. Você terá um custo de transação adicional nesse processo [se usar yuan]”, diz.
A criação de mecanismos de compensação em moedas locais, em si, não é ruim para as relações comerciais. Mas é um jogo que precisa ser jogado de olho nas consequências para as relações multilaterais. Felippe Serigati avalia que o Brasil precisa ser muito cuidadoso e diplomático ao tomar medidas que mexam no mapa geopolítico.
“Talvez num futuro, espero que não seja próximo, o Brasil vai ter que dizer a qual bloco, nessa divisão, ele pertence. Se ao bloco ocidental ou ao bloco chinês-russo. No momento, em que não estamos sendo fortemente pressionados para dizer de qual lado estamos, temos que manter a máxima neutralidade possível. Vai chegar a hora em alguém lá fora vai dizer que não dá mais para ficar em cima do muro. Enquanto a gente puder manter essa postura mais neutra, acho que é só vantagens para nós”, conclui.
O consultor Sergio Quadros, por sua vez, faz outra leitura. Segundo ele, diversificar as moedas reduz os riscos. “Para a China, a clearing house é muito mais um movimento geopolítico para se prevenir de eventuais sanções dos Estados Unidos. Mas, se lá na frente ocorrer alguma coisa com o Brasil e ele sofrer sanções, como ficaria a relação com o resto do mundo se não pudermos usar o dólar?”, questiona.
Seja como for, na batalha geopolítica e comercial entre as duas principais economias globais, que coincidentemente são os dois maiores parceiros comerciais do Brasil, o que ninguém discorda é que qualquer o, do lado de cá, tem que ser milimetricamente calculado. Gritar bravatas contra o dólar, como fez Lula, não parece somar muito aos interesses do Brasil.