A Selic não é o único indexador da dívida, mas é dos mais relevantes. O analista de contas públicas da Tendências Consultoria, Fábio Klein, lembra que é a taxa responsável pela indexação de cerca de 35% da dívida, que tem ficado cada vez mais “selicada”, próxima desse indicador. O restante tem a ver com juros futuros, taxa de câmbio, riscos inflacionários e prêmios.
A questão é que o país está em um ambiente de riscos e o cenário futuro é de incertezas, relacionadas principalmente ao modo de saída da crise do coronavírus. A avaliação de Klein é de que estamos, de certa maneira, desperdiçando o benefício temporário obtido com inflação controlada e juros baixos nos resultados fiscais, porque o país vai herdar uma situação fiscal muito ruim.
“Esse cenário de inflação e juros baixos ajuda no lado financeiro fiscal, porque o serviço da dívida fica mais baixo. Mas a dívida continua subindo de nível e, além disso, essa política monetária – que é atualmente frouxa – não será mais tão frouxa daqui a alguns meses, porque hoje as taxas são muito abaixo do que seriam para o equilíbrio da economia”, diz o analista.
Klein defende que esse é o momento de se aproveitar da ajuda da política monetária no resultado fiscal para fazer performance, porque esse cenário vai piorar ou a política monetária vai mudar, à medida que a economia for se aquecendo e retornando rumo ao que seria o PIB potencial do país.
Ele lembra que recentemente o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação para 2023 em 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. A meta é menor do que as fixadas para 2021 e 2022 – de 3,75% e 3,5%, respectivamente. “Para conseguir cumprir essas metas, taxas tão baixas de juro não resolvem”, diz.
O analista ainda aponta outro fator para pressionar essa trajetória: a precificação dos riscos. “Mesmo com a Selic baixa, o fato é que para você financiar o Tesouro, com títulos de médio a longo prazo, o mercado vê esses riscos e vai começar a demandar prêmios maiores”, aponta. Ele lembra que a taxa de juros futura, que é um bom termômetro de risco na economia, assim como a taxa de câmbio, já estão subindo.
Além disso, a movimentação recente do mercado financeiro, que demonstrou não estar mais tão complacente em relação aos movimentos recentes do governo, indica que essa precificação já pode começar no presente. A debandada de parte da equipe de Paulo Guedes e o movimento "fura-teto" foram os principais fatores a desencadear essa última reação. “Com esses riscos se amontoando, os preços para emprestar para o Tesouro também vão começar a aparecer e isso vai encarecer o serviço da dívida, mesmo que parte dela esteja se beneficiando da Selic baixa”, avalia.
A manutenção do teto de gastos repercute diretamente na dívida pública – por isso, o compromisso do governo em brecar o movimento fura-teto e manter essa meta é tão relevante. Matheus Rosa Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV, ressalta que o teto é a grande âncora fiscal do país, que registra déficits primários no governo central desde 2014 e precisa assumir um comprometimento com a busca do ajuste fiscal pela contenção das despesas.
“Assim, uma condução da situação atual que não mantenha o comprometimento com a responsabilidade fiscal poderia trazer maiores juros e dificuldades para rolagem e sustentabilidade da dívida”, aponta.
Fábio Klein, da Tendências Consultoria, lembra que antes mesmo dessa discussão do movimento para furar ou flexibilizar o teto, já havia projeções que indicavam que parte dos gastos de combate à pandemia contaminariam anos à frente de 2021. E isso poderia acontecer em maior ou menor grau: a depender do montante de rescaldos a serem pagos nos anos seguintes, nem as reformas focadas em controle de gastos e contingenciamentos dariam conta do rompimento que seria imposto ao teto.
O problema desse afrouxamento fiscal, que faria o teto desabar, é que forçaria uma piora tão grande do déficit da dívida pública que seria preciso adotar medidas para contorná-la que envolveriam aumento da carga tributária.
O analista aponta que, em cinco meses, o auxílio emergencial já consumiu R$ 250 bilhões. E o sucesso da medida gera a intenção de capitalizá-lo politicamente com a expansão de programas de assistência social. Ainda que haja um remanejamento e junção de programas, Klein aponta que é improvável fazer um novo programa de renda básica sem implicar aumento de gastos.
Outro ponto é o tamanho do rombo das contas públicas neste ano, que deve ficar perto dos R$ 900 bilhões. Esse buraco “engole” toda a projeção de economia obtida com a reforma da Previdência para um período de dez anos – os valores variavam entre R$ 650 bilhões, como o calculado pela Tendências, e R$ 800 bilhões, estimado pelo governo.
“O déficit pode ficar desse tamanho ou maior, mas qualquer coisa que respingue para os anos à frente – de R$ 10 bilhões a R$ 60 bilhões por ano – é muita coisa, porque o teto não acomoda isso. Os riscos são muito elevados e é por isso que esse momento favorável de Selic e inflação baixas, reduzindo a pressão no serviço da dívida, é temporário”, pondera.
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