Por que o IGP-M corrige o aluguel
O IGP-M é um indicador inflacionário calculado a partir de outros três índices:
Mas qual o sentido de usar um índice tão influenciado por dólar e commodities na correção do aluguel? Trata-se de uma questão histórica, diz Frederico Lourenço, sócio-coordenador do Departamento de Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia.
“Os contratos específicos de aluguel tem cláusulas de estilo que vão se perpetuando, e uma delas é a aplicação do IGP-M. ainda que não reflita a condição e a volatilidade do valor de mercado da locação”, diz.
Para André Braz, coordenador do IPC e do IGP-M do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), ele não é o melhor indicador para isso. O economista lembra que dentro da pesquisa do IPC há um item de aluguel residencial, justamente para mensurar quanto os inquilinos estão pagando de reajuste mês a mês. “Essa pesquisa mostra que, em 12 meses, o aumento médio dos alugueis está em torno de 3%, que é muito diferente do resultado do IGP acumulado”, diz.
Ainda que o IGP-M esteja citado nos contratos, rear um reajuste com esse peso para o valor do aluguel pode resultar na perda do inquilino. “Nesse momento, está muito difícil para a maioria dos inquilinos pagar um reajuste dessa magnitude, porque os salários não estão sendo reajustados pelo IGP”, aponta.
Braz avalia que, ainda que o IGP-M seja o indexador do aluguel, ele não está orientando o mercado imobiliário neste momento por causa do descolamento em relação à realidade salarial das famílias.
“Muitas famílias foram surpreendidas pelo desemprego e estão com sua capacidade de pagamento reduzida. Para o proprietário, vale mais a pena manter o imóvel alugado, tendo um aluguel a receber, do que arcar com os custos daquele imóvel vazio. O proprietário agora cria condições mais favoráveis para que o imóvel fique ocupado e que o inquilino tenha capacidade de pagar o aluguel”, avalia.
Para ele, na atual conjuntura, a melhor vantagem para as duas partes é um acordo, e não a imposição do IGP-M.
A melhor saída para inquilinos e proprietários é negociar o valor da locação com transparência, aconselha Lourenço, da Andersen Ballão Advocacia. O pedido de revisão judicial do aluguel até existe, mas é uma alternativa que envolve custos, demora um tempo considerável e tem grandes chances de se tornar inócua.
Há duas situações principais nessa relação de locação em 2020. A primeira, que é mais tranquila mas que também tem mais margem para um ree, é aquela entre proprietários e inquilinos que neste ano já renegociaram contratos em que houve redução do valor. A outra é daqueles que não conseguiram firmar nenhum acordo, porque é um cenário com maior potencial de litígio. “O inquilino está descontente e o proprietário não se mostrou flexível”, diz.
Para Lourenço, o primeiro o é negociação – e isso vale para contratos residenciais e comerciais. A melhor maneira para tentar obter um acordo é ser transparente. Ele aconselha que os inquilinos, tanto residenciais quanto comerciais, já informem sobre comprometimento de renda e avaliem um cenário de médio e longo prazo, para pensarem sobre as condições que terão para arcar com o valor do aluguel. “No primeiro sinal de problema econômico e financeiro, é importante iniciar a negociação”, sugere.
Atualmente, a demanda do mercado de locação está em baixa e é possível encontrar novos imóveis com preços inferiores aos vigentes em contratos. Isso dá força ao inquilino na negociação com o atual proprietário. “Tem o inconveniente de procurar imóvel e fazer mudança, mas o aspecto econômico favorece o inquilino”, diz.
Caso não haja um acordo, a saída é judicial. Mas não é uma boa opção. Lourenço explica que a lei de locações prevê a revisão judicial do valor do aluguel. Ela vale para contratos com mais de três anos de vigência, em que o inquilino pede o reajuste pelo valor de mercado.
“Você entra com uma ação revisional, e tem um perito que faz laudo do valor de mercado para o juiz arbitrar”, diz. Além do custo, ele destaca que o Judiciário não costuma dar respostas imediatas e essa demora pode refletir outro momento do mercado, que poderia até mesmo provocar um aumento do aluguel.
A economista do Banco Ourinvest, Cristiana Quartaroli, avalia que o quadro inflacionário ainda não é preocupante. A principal pressão vem do preço dos alimentos, motivada por aumento da demanda e da renda média, por conta do auxílio emergencial, e da alta do câmbio expressa nas commodities. “Isso começou a ser reado nos preços ao consumidor e, adicionalmente, nos dados mais recentes, a gente já começou a ver um ree nos es de bens duráveis”, diz.
André Braz, do FGV/Ibre, explica que os maiores reajustes ocorreram nos preços de matérias-primas brutas. Como exemplos, cita as altas do minério de ferro (cerca de 70%), soja (50%) e carne (30%). “Como a matéria prima bruta fica mais cara, à medida em que você anda na escala de produção, encarece toda a estrutura produtiva”, diz.
No caso da soja, a alta do preço do grão vai encarecer o farelo, usado na ração de animais, e do óleo se soja bruto. Na gôndola do mercado, isso implica em óleo de soja refinado e cortes de carne mais caros. No caso do minério de ferro, o impacto se reflete nos vergalhões, usados na construção civil, e em bobinas de aço, que são usadas para fabricação de chapas para automóveis e eletrodomésticos.
“Todo esse aumento pesado de commodities acabou acumulando nos últimos 12 meses, com um aumento de quase 60% em um curto espaço de tempo, e provocou uma alta muito forte no IPA, que é o índice que mais pesa dentro do IGP”, explica. É por isso que o IGP-M se distancia da inflação do consumidor, mais concentrada no preço dos alimentos, que já subiu, em geral, 10% para o consumidor final.
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