A análise de Neri, embora também apresente faixas de renda mais amplas, busca concentrar em três porque elas sintetizam os movimentos observados. A divisão feita foi a seguinte:
A pesquisa de Neri trabalhou com duas comparações temporais principais: a variação de 2019 para 2020 e durante os meses de pagamento de auxílio emergencial em julho e agosto deste ano.
Para se ter ideia, em 2019, o contingente de pobres (renda mensal de até meio salário mínimo) era de 65,2 milhões e ou para 50,2 milhões neste ano. Apenas entre julho e agosto, 1,95 milhão de pessoas fizeram essa travessia, deixando a pobreza rumo à classe C.
Na parte mais alta da distribuição de renda, o contingente ou de 32,9 milhões em 2019 para 28,1 milhões em agosto de 2020. “Esse quantitativo final é resultado de um rebaixamento acumulado de 4,8 milhões de brasileiros, apesar dos sinais de melhora no último mês, com o crescimento de 1 milhão de pessoas entre julho e agosto”, explica a pesquisa.
Como resultado, a classe C ganhou mais 21,4 milhões de pessoas, vindas sobretudo da parcela mais pobre da população, que foi muito beneficiada pelas ajudas do governo neste período.
Veja a evolução de pessoas com renda domiciliar per capita por classes, calculada pela FGV Social com base nos dados da Pnad do IBGE. Nas linhas está a renda domiciliar per capita e, nas colunas, o número de pessoas nesse estrato, em milhões, a cada ano. Os dados de 2020 são referentes a agosto:
A análise de Neri ainda mostrou que os impactos da mobilidade social entre os mais pobres foram maiores nas regiões Norte e Nordeste. Lá, a quantidade de pessoas com renda de até meio salário mínimo diminuiu 27,5% e 30,4%, respectivamente. Nas demais regiões, o efeito de recuo no contingente de pobres foi menor. O Sul registrou 13,9%, o Sudeste 14,2% e o Centro-Oeste, 21,7%.
“Estas diferenças são explicadas pela maior importância da renda do Bolsa Família expressos em valores per capita mensais nas regiões Nordeste (R$ 16,6) e Norte (R$ 14,7) e os menores nas regiões Sul (R$ 2,64) e Sudeste (R$ 3,94)”, explica.
Outra razão apontada foi a incidência de trabalhadores informais, os "invisíveis" que foram beneficiados com o auxílio emergencial. Da mesma forma que a divisão do Bolsa Família, há mais trabalhadores nessas categorias nas regiões Norte e Nordeste.
Os resultados positivos, principalmente a respeito da redução da pobreza, são vistos com preocupação por Neri. Para ele, esse é o começo da crônica de uma crise.
“As transferências oficiais emergenciais caem à metade agora e desaparecem em 31 de dezembro, quando teremos meia população da Venezuela de volta à velha pobreza apenas pelo fim do efeito-auxilio, fora novos programas sociais e as cicatrizes trabalhistas de natureza mais permanente abertas pela crise”, argumenta na pesquisa.
A preocupação faz sentido: 38 milhões de brasileiros, que já estão sendo impactados pela redução do valor do benefício, correm o risco de ficar desassistidos no próximo ano sem o auxílio, sem poderem se enquadrar no Bolsa Família e assistindo ao ime sobre o financiamento do Renda Cidadã.
O governo vem sucessivamente adiando a apresentação da proposta do programa Renda Cidadã – que já foi chamado de Renda Brasil e será a reformulação do Bolsa Família. Há um problema fiscal: a iniciativa é ambiciosa e custará caro, e o governo não tem esse dinheiro para bancar a ação. Fora o problema de financiamento, quase nada a respeito das condicionalidades do programa é discutido abertamente, de modo que é impossível prever quantos desses invisíveis serão de fato agregados ao futuro programa a partir de 2021.
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