“A alteração proposta entende que os familiares enlutados podem acabar contratando empresas funerárias de outras cidades ou até mesmo de outros estados, o que pode acabar dificultando a prestação dos serviços necessários para a tranquilidade em uma hora tão difícil, e com isso diminuindo a qualidade e/ou eficiência, além da possibilidade de fiscalização das atividades”, argumentou o prefeito. 3r6p4a
No entanto, ao menos duas medidas liminares já foram concedidas pela Justiça estadual contra a Lei 15.620/2020. Em uma delas, o desembargador Leonel Cunha determina que o município, sob pena de multa diária de R$ 5 mil, se abstenha de exigir de nove funerárias, autoras de mandado de segurança, o cumprimento de requisitos da lei.
Em outra medida cautelar, a juíza Bruna Greggio, do 15º Juizado Especial da Fazenda Pública de Curitiba, definiu multa de R$ 10 mil em favor da Funerária Nossa Senhora de Lourdes. O município de Curitiba obteve liminar no TJ-PR, mas a decisão do tribunal foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para o presidente do órgão, Dias Toffoli, o TJ-PR não detém competência recursal para eventuais insurgências contra decisões proferidas nos Juizados Especiais do estado.
“Transporte funerário dentro de um município é de responsabilidade do município. Agora, se é intermunicipal, a competência é estadual. E, entre estados, é nacional. É básico isso”, diz Antônio Anibelli Neto (MDB), um dos 11 deputados estaduais que assinam a ADI, e que liderou o movimento de adesão à ação na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Além dele, são partes recorrentes no processo Galo (Podemos), Marcel Micheletto (PL), Luciana Rafagnin (PT), Mabel Canto (PSC), Nelson Justus (DEM), Professor Lemos (PT), Requião Filho (MDB), Émerson Bacil (PSL), Do Carmo (PSL) e Artagão de Mattos Leão Júnior (PSB).
No fim do ano ado, Anibelli apresentou projeto que garante a liberação de cadáveres para transporte intermunicipal por funerárias registradas e em normal funcionamento em todo o estado do Paraná. O projeto, que tramita na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Casa, prevê que “a simples formalização de vontade dos familiares ou responsáveis pelo falecido de que o sepultamento ocorrerá em outro município é suficiente para a liberação do corpo para transporte”, “ficando vedada a exigência de outros documentos não previstos na legislação estadual ou federal”.
Procurada pela reportagem, a prefeitura se manifestou por meio da seguinte nota:
O Município de Curitiba ressalta que a lei não dificulta, mas sim garante maior controle e segurança das famílias enlutadas em um momento de dor. Além de propiciar que o interesse público prevaleça sobre o interesse privado, à medida que permite maior fiscalização sobre os prestadores de serviço, na qualidade e no tabelamento dos valores. O texto permite, ainda, que as funerárias da cidade onde o falecido residia possam prestar o serviço.
Em tempos de pandemia do novo coronavírus, a regulamentação é também garantia de cumprimento de normas de saúde pública no manuseio dos corpos, evitando a transmissão de doenças infectocontagiosas como a covid-19.
Por fim, não há inconstitucionalidade, já que é garantida aos municípios a autonomia na legislação sobre assuntos de interesse local; organização e prestação, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, estes serviços. Esse é o caso dos serviços funerários, serviços públicos de competência legislativa municipal.
O sistema de transporte fúnebre adotado em Curitiba já é questionado há muito tempo. Em 2002, uma lei municipal já estabelecia uma reserva de mercado ao rodízio funerário da capital paranaense. O texto foi reconhecido como inconstitucional pelo TJ-PR e reformado, em consonância com as Constituições do Paraná e do Brasil.
No ano ado, antes da vigência das regras mais restritivas, gerou controvérsia o caso de Deise Lu Nazario Betcher, natural de Maracajá, em Santa Catarina, que faleceu em Curitiba quando vivia em situação de rua. Sem documentos que comprovassem que Deise tinha domicílio no município catarinense, seu irmão, Rinaldo, foi impedido de transladar o corpo, mesmo com uma funerária de sua cidade já contratada. O enterro acabou sendo feito em uma área destinada a pessoas carentes no Cemitério do Boqueirão, contra a vontade da família.
Na época, a prefeitura de Curitiba explicou que a comprovação era necessária para garantir o destino e evitar assédio de funerárias. Dias depois, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente ou a permitir que familiares de pessoas mortas em Curitiba e que residissem em outra cidade contratassem funerárias de fora da capital sem que necessariamente precisassem apresentar comprovante de residência em nome do falecido.