E a primeira coisa a constatar sobre “Barbie” é que o fenômeno cultural e o filme são duas coisas distintas. Por “fenômeno cultural” me refiro, claro, às hordas barulhenta e barbiemente monocromáticas que tomaram conta dos cinemas nas últimas semanas. Porque antes mesmo de o filme começar, o fenômeno esfrega na nossa cara uma realidade incômoda: a da infantilização da sociedade. Uma infantilização que se reflete não só nas roupas cor-de-rosa, mas sobretudo nessa aderência imediata e ional a uma modinha da qual mês que vem ninguém mais se lembrará. 4c94g
Então este é o primeiro obstáculo para quem pretende se sujeitar ao “sacrifício master” (palavras dela!) de assistir a “Barbie”. O outro é a enxurrada de pré-opiniões que se aproveitam do fenômeno cultural para impor uma agenda política. Mas isso já é consequência do filme, sobre o qual falarei daqui a pouco, depois do nosso intervalo comercial.
A princípio eu achava que “Barbie” era um filme para crianças que estava sendo visto com o olhar de adulto. Ou melhor, “adulto”. (Pena que não dá para pôr aspas cor-de-rosa aqui). Mas aí me informaram que a classificação etária do filme é 12 anos. Ou seja, “Barbie” é mesmo um filme feito para adultos infantilizados, mas capazes de ao menos entender a referência inicial ao clássico “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Ou será que estou sendo otimista demais?
Aliás, me ocorre agora algo e o insight é bom demais para ser desperdiçado. “Barbie” é um filme para a geração acostumada aos Homens de Ferro, Homens-Aranhas, Super-Homens, Batmans, Hulks e X-Men da vida. Da vida fictícia, no caso. Com direito à formulaica jornada do herói e o maniqueísmo simplista do mundo infantil. Ou seja, não é novidade nenhuma e se há escândalo é só porque o rosa realmente fere os olhos da gente.
No mais, a principal crítica que se pode fazer a “Barbie” é a de que se trata de um filme com evidentes fins propagandísticos, mas totalmente descompromissado com o feminismo que apregoa. No fundo, é aquele tipo de (vou forçar a barra agora; prepare-se!) obra de arte tão niilista, tão cínica, tão autocentrada e tão alheia ao propósito daquilo que se pretende a uma, well, obra de arte que acaba sendo um veículo de propaganda ineficiente. Um desses panfletos em papel tão vagabundo que se desmancha na sarjeta.
Ao defender o feminismo num minuto para criticá-lo no outro, ao acusar a emasculação dos homens aqui e ridicularizar o machismo ali e ao exaltar o peterpanismo (não confundir com “apanismo) que se espalhou pelo mundo, “Barbie” parece pular de galho em galho, tentando agradar a plateia num momento para, no momento seguinte, desagradá-la. Assim, o filme garante o sucesso da discussão em torno não desses temas suspostamente profundos, mas em torno do próprio filme. Eu avisei que era uma “obra” autocentrada!
De qualquer forma, me espanta essa repulsa a opiniões que possam ser favoráveis a um filme que terá o mesmo impacto cultural recente da slime – aquela meleca que foi moda entre as crianças há alguns anos. Ou da lambada. Afinal, defendemos ou não as pessoas exporem seus argumentos pró e contra qualquer coisa? Ou será que secretamente concordamos quando “o outro lado” diz que certas ideias são nocivas demais e não podem circular livremente?
Por falar em reações, vale reparar nas expressões e nos comentários das pessoas que de fato assistiram ao filme. Não é todo mundo que mantém o entusiasmo rosa depois das quase duas horas da história. Uns porque queriam mais propaganda. Mais wokismo. Outros simplesmente porque “Barbie”, assim meio sem querer querendo, ofende a inteligência do espectador médio (e, no meu caso, careca e com uma pancinha). Nem todos confessarão, mas a verdade é que, para além das lacrações, “Barbie” no fundo nos leva à constatação autocrítica: somos melhores do que isso.