
A taxa de evasão média nos assentamentos está em torno de 30%, podendo, em locais mais distantes, alcançar 50% e até 70%. E a maioria das famílias assentadas, 64,3%, se encontra no bioma amazônico, enquanto outras 12,1% estão na caatinga nordestina. “É inequívoco, a vida dos assentamentos de reforma agrária não é uma vida fácil. É uma vida miserável, o poder público não consegue, por mais que se esforce, dar as condições. Às vezes são assentamentos distantes das áreas de produção, a tecnologia não chega lá, o que faz com que aquela família desista. É um problema grave, que a meu ver se resolveria por uma seleção mais técnica, mais criteriosa, que poderia ser feita por meio de cursos e treinamentos que não temos”, afirmou Graziano à I. 5s1ac
Essa realidade foi confirmada por um estudo do Incra em 2022, com base no Censo Agropecuário de 2017, que mostrou que no bioma amazônico, em praticamente todos os municípios que possuem assentamentos de reforma agrária, a renda média das famílias assentadas é de meio salário mínimo por mês.
Para o presidente do Incra no governo Bolsonaro, Geraldo Melo Filho, qualquer nova política de assentamento não pode ignorar essa realidade de extrema pobreza. “Você desloca essas pessoas para um local longe da infraestrutura urbana, onde não tem hospital, não tem segurança, não tem educação. Ou seja, complica inclusive a vida dos municípios. Coloca as pessoas na terra e não dá condição para produzirem. Elas têm essa renda, que na verdade é uma não renda, e você termina tendo que dar a essas pessoas um tipo de e, de assistência e de programas sociais, que não fazem sentido. Não compensa o investimento de tê-las colocadas no meio rural”, enfatiza.
Não se cria uma “prateleira de terras”, como quer Lula, sem elevados gastos. Para Melo Filho, achar grandes áreas improdutivas no Centro-Sul é uma tarefa difícil, devido à valorização das terras. “Ninguém tem um bem tão valorizado e deixa de produzir por opção. Normalmente tem algum problema como espólio, partilha de bens, alguma disputa. E mesmo que você encontre um valor significativo de terras improdutivas após vistorias, tem um outro problema principal. Você vai precisar de orçamento. Essas terras não são simplesmente tomadas pelo Estado. É um bem privado como qualquer outro, precisa ser pago”, sublinha.
A saída, então, poderia estar nas terras devolutas da União? Sim, se for o caso de mandar quase todo mundo para a Amazônia. Mas a maioria das pessoas que pretendem ser assentadas está em outras regiões. “Essas pessoas que sonham com seu pedaço de terra estão dispostas a se mudar para a Amazônia, para receber um lote onde só vão produzir em 20%? Não é questão de ter apenas a terra. É a terra estar disponível onde você eventualmente tem essa demanda qualificada”, afirma Melo Filho.
O ex-dirigente do Incra observa que desde 1994, no governo de Fernando Henrique Cardoso, já foram feitos cerca de 3.500 assentamentos de reforma agrária no Norte do país. “Estamos falando de quase dois milhões de pessoas colocadas na zona rural da Amazônia para produzir sem estrutura, sem nenhum apoio, e que hoje enfrentam todo tipo de dificuldade. Então, vai ampliar isso? A gente sabe o que acontece: sem condições de produção, de escoamento da produção, essas pessoas vão terminar aumentando o desmatamento. Não sei se é isso que o governo pretende fazer”, sublinha. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a reforma agrária contribuiu com 25% a 30% do desmatamento da Amazônia entre 2003 e 2014.
Para Xico Graziano, o governo vai encontrar terras improdutivas apenas em regiões ambientalmente frágeis, cobertas por floresta ou com caatinga. Na realidade atual, já não caberia mais uma reforma agrária distributivista. "Se for uma reforma agrária baseada em invasor de terra, tipo MST, é receita de fracasso na certa", afirma.
Uma hipótese factível, contudo, seria fomentar a agricultura praticada por técnicos agrícolas ou filhos de produtores desempregados. "Malásia e Indonésia fizeram isso. Decidiram ampliar a produção de dendê, os governos fizeram projetos e selecionaram pessoas para fazer isso. Não é dar um pedaço de terra e dizer para a pessoa se virar, criar galinha, pato ou cavalo, ou arrendar para um vizinho. São projetos com começo, meio e fim. Jamais baseados em invasores de terras, em bandidos agrários", afirma.
O governo de Jair Bolsonaro gastou R$ 6,2 bilhões para pagar precatórios de indenização de terras da reforma agrária pendurados por governos anteriores. Melo Filho alerta que o governo Lula revogou o Memorando 01 do Incra de 2019, que estabelecia que para iniciar qualquer processo de desapropriação, seria necessário primeiro apontar a fonte do recurso existente. “Está-se criando o ambiente exatamente para voltar a fazer o que era feito. Ou seja, ‘comprar’ terras sem que haja de fato orçamento ou recurso para pagar esse investimento. E isso não pode. Os artigos 15 e 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal dizem que mesmo para emissão de precatório, tem que ter orçamento”.
Melo Filho destaca que o foco do governo anterior foi dar condições dignas para famílias que há dezenas de anos estavam nos assentamentos. “A reforma agrária é um conjunto de ações, que normalmente se inicia com a desapropriação e a criação de assentamentos, mas a pela infraestrutura, pelo desenvolvimento do assentamento e sua consolidação. Isso está no Estatuto da Terra, de 1964, não é invenção minha. O governo ado continuou pagando as contas anteriores dessa parte inicial da criação e projetos de assentamentos, porém investiu na parte de desenvolvimento e consolidação. Com a titulação, investimentos e infraestrutura. Esse foi o foco, tentar melhorar a qualidade de vida e a produção para quem já está assentado”, aponta.
Ao longo dos últimos 40 anos, o Brasil assentou quase 1 milhão de famílias pela reforma agrária numa área de 87 milhões de hectares. É mais do que todo o espaço ocupado pela safra de grãos brasileira, atualmente em 64 milhões de hectares.
Contatado para detalhar como será o projeto de “prateleira de terras” encomendado pelo presidente Lula, e para informar se já existe algum estoque disponível, o Incra disse apenas que “essas informações serão detalhadas quando do anúncio das ações de retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).” E que a divulgação “ocorrerá em breve”.