
A fala de Teixeira incomodou mais do que a própria transferência do Incra ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
“Não é este o objetivo da reforma agrária? Como é que pode o ministro do Desenvolvimento Agrário dizer que esse título não vale um papel de pão? É preciso respeito com essas 400 mil famílias, mais de um milhão de pessoas atingidas diretamente por isso”, reagiu o presidente da FPA.
“Queremos que todo o trabalho que foi feito nos últimos quatro anos não seja simplesmente tratado como chacota. Precisamos de um mínimo de garantia, de segurança jurídica para esses produtores, que a partir do momento que receberam o título aram a ser proprietários rurais, com condição de ar crédito, vender sua área, pegar dinheiro no banco e ter renda. Eles deixam de ser um movimento social, de ser um assentado da reforma agrária para ser um proprietário rural. Isso é um ganho para as pessoas”, enfatiza Lupion.
Com ações tão articuladas para descontentar o agronegócio, Lula provavelmente colocou o bode na sala, sabendo que teria de negociar. Na avaliação do cientista político Cristiano Noronha, da Arko Advice, ao anunciar 37 ministérios, Lula “puxou algumas coisas” do Ministério da Agricultura, para não dar a impressão de que o Desenvolvimento Agrário e o Meio Ambiente começariam esvaziados.
“O governo tem maioria no papel, mas não é ampla, geral e irrestrita. Ela vai variar de acordo com o tema que for votado. A bancada da agricultura pode ter força suficiente para bancar emendas. Se ela se organizar e fechar questão neste ponto, o governo terá de ceder e devolver alguma coisa para o Ministério da Agricultura”, avalia Noronha.
Uma saída provável, segundo Fernandes, da BMJ, seria insistir com o CAR no Meio Ambiente, mas devolver a Conab ao Ministério da Agricultura.
“Acredito que o Lula entra frágil no Congresso, não está com uma maioria tão confortável, especialmente na Câmara. Então ele vai ter que escolher muito bem as batalhas e não vai querer ficar dando murro em ponta de faca por essa questão. Outros pontos são mais sensíveis e vão acabar sendo priorizados. O Lula ainda vai ter que aprovar um mecanismo fiscal para substituir o teto de gastos, então comprar logo de largada essa briga com o agro não vai ser positivo para a governabilidade”, conclui.
Há outros pontos sensíveis impostos por decreto, no início do governo, que podem ser revistos por pressão do Congresso. A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Banco Central para o Ministério da Fazenda, por exemplo, é vista por alguns parlamentares como politização da estrutura de combate à corrupção.
“Qual seria o motivo técnico que levou o novo governo a transferir o Coaf do Banco Central autônomo para o Ministério da Fazenda político?”, questionou o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) logo após o anúncio. Em sua época de ministro, em 2019, Moro conseguiu levar o Coaf para o Ministério da Justiça por alguns meses, mas a estrutura acabou sendo transferida por MP de Bolsonaro para o Ministério da Economia e, depois, para o Banco Central.
Não há previsão ainda de quando o Parlamento começará a analisar as quase 30 medidas provisórias que estão na fila, algumas ainda do governo Bolsonaro. Cada MP pode vigorar, no máximo, por 120 dias. Em relação ao desmonte da pasta da Agricultura, a intenção da FPA é levar o debate às comissões especiais, para expor ao máximo as inconsistências da medida.
VEJA TAMBÉM: